Nações Unidas, 17/10/2011 – Os Estados Unidos acusaram a Rússia de querer proteger seu lucrativo mercado de armas ao vetar uma resolução contra a Síria. Contudo, ao mesmo tempo, Washington salvaguarda novos contratos com o Bahrein. Descontente pelos vetos de China e Rússia no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) que bloquearam uma resolução condenando o governo de Bashar al-Assad por reprimir a população, a embaixadora norte-americana no fórum mundial, Susan Rice, acusou implicitamente, na semana passada, Moscou de amparar seus negócios armamentistas no Oriente Médio.
Entretanto, mais ou menos ao mesmo tempo, Washington avaliava um contrato de venda de armas para o Bahrein no valor de US$ 53 milhões. Pelo menos 34 pessoas morreram em decorrência da crise política nesse país do Golfo, outras 1.400 foram presas pelo regime e mais de 3.600 acabaram demitidas de seus empregos por participarem de manifestações de rua exigindo reformas democráticas. “O governo dos Estados Unidos parece hipócrita quando condena o uso da força contra manifestantes da Síria mas aprova um comportamento semelhante no Bahrein”, disse à IPS Natalie J. Goldring, do Centro para Estudos de Paz e Segurança na Escola Edmund A. Walsh de Assuntos Exteriores, da Universidade de Georgetown.
Para Goldring, a administração de Barack Obama cai em terreno movediço quando dá lições a outros países sobre transferências de armas. “Seu recente anúncio de uma proposta de venda de armas ao Bahrein demonstra que tudo continua igual, quando deveria ser o contrário”, afirmou. Este contrato, que desatou protestos de organizações de Direitos Humanos, inclui 44 veículos blindados multipropósito de alta mobilidade, mísseis e equipamentos relacionados de treinamento.
Maria McFarland, subdiretora da Human Rights Watch (HRW), disse que “será difícil para o povo levar a sério as declarações dos Estados Unidos sobre democracia e direitos humanos no Oriente Médio quando, longe de responsabilizar seu aliado Bahrein, parece recompensar a repressão com novas armas”. Goldring recordou que Rice afirmara que os que se opunham à resolução preferiam vender armas a Damasco a apoiar o povo sírio. “Transferir armamento para o Bahrein deixa o governo dos Estados Unidos vulnerável diante da mesma acusação, de que preferiria vender armas ao regime a apoiar o povo”, destacou a ativista.
A administração Obama terá muito mais poder de influenciar outros países se deixar de vender armas para nações que violam os direitos humanos de seus cidadãos, acrescentou Goldring. Embora a maioria dos membros do Conselho de Segurança (nove em 15) tenha votado a favor da resolução, os vetos de China e Rússia a bloquearam. O texto, que condena fortemente as contínuas, graves e sistemáticas violações dos direitos humanos por parte das autoridades sírias, recebeu votos favoráveis de Alemanha, Bósnia-Herzegovina, Colômbia, Estados Unidos, França, Gabão, Grã-Bretanha, Nigéria e Portugal. Índia, Brasil e África do Sul (que formam o grupo Ibas) se abstiveram, como o Líbano.
A resolução, copatrocinada por Alemanha, França, Grã-Bretanha e Portugal, exortava o governo sírio a deter imediatamente o uso da força contra civis. Se a Síria não o fizesse no prazo de 30 dias, o Conselho de Segurança poderia considerar “outras opções”, eufemismo para sanções econômicas ou militares. Pieter Wezeman, do Programa de Transferência de Armas do Instituto Internacional de Estocolmo de Pesquisa para a Paz, disse à IPS que a Rússia é o maior fornecedor de armas da Síria, lembrando que, nos últimos cinco anos, Moscou entregou 36 sistemas de defesa aérea móveis Pantsyr-S1 e uma grande quantidade de mísseis terra-ar, 24 aviões MiG-29SMT e várias aeronaves de treinamento YAK-130.
“Todas as ordens de compra sírias juntas constituem significativo ganho para a indústria de armas russa”, explicou Wezeman. Após perder os mercados do Irã e da Líbia, os russos querem manter o mercado sírio, e esta, provavelmente, seja a principal razão pela qual Moscou resiste a adotar sanções contra Damasco, acrescentou. Por sua vez, Goldring esclareceu à IPS que a Síria é um fundamental aliado político e militar da Rússia no Oriente Médio, e que Moscou tem vários motivos econômicos para manter esta relação. Segundo um informe do Congresso norte-americano, a Síria recebeu quase um quarto das vendas totais de armas russas entre 2007 e 2010.
“Embora a China tenha uma ativa relação de transferência de armas com a Síria, a Rússia domina o mercado, com quase 90% de todos os acordos de venda com esse país entre 2007 e 2010”, acrescentou Goldring. Depois que Pequim e Moscou vetaram a resolução no Conselho de Segurança, a embaixadora Rice disse que “os que se opõem terão que responder ao povo sírio e, na verdade, ao povo de toda a região, que procura as mesmas aspirações universais”. “Rússia e China parecem ter se unido contra um adversário comum. Juntos, atuam como contrapeso à atividade diplomática e militar dos Estados Unidos no Oriente Médio”, afirmou Goldring. Envolverde/IPS