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Nova auditoria critica investimento do Banco Mundial em Honduras

Uma centena de membros de cooperativas, como os da foto, morreram em Honduras em enfrentamentos por terras com a Corporação Dinant, envolvida em um polêmico empréstimo do Banco Mundial ao país. Foto: Thelma Mejía/IPS
Uma centena de membros de cooperativas, como os da foto, morreram em Honduras em enfrentamentos por terras com a Corporação Dinant, envolvida em um polêmico empréstimo do Banco Mundial ao país. Foto: Thelma Mejía/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 14/8/2014 – Pela segunda vez este ano, uma auditoria interna criticou as operações com Honduras da agência de investimentos no setor privado do Banco Mundial e advertiu que é provável que problemas semelhantes se repitam em outras partes.

Segundo a investigação, a Corporação Financeira Internacional (CFI) adquiriu uma participação considerável no banco hondurenho Ficohsa, mas tomou “medidas insuficientes” para avaliar os investimentos próprios dessa instituição, que incluem a Corporação Dinant, empresa agroindustrial envolvida em uma disputa de terras que custou a vida de cem camponeses hondurenhos nos últimos cinco anos.

A auditoria realizada pelo escritório do Assessor em Cumprimento/Ombudsman (CAO), também fez uma crítica mais ampla aos investimentos da CFI em terceiros, tais como o banco hondurenho. Ao escolher esses “intermediários financeiros”, a CFI parece dar mais atenção a questões financeiras do que às suas políticas ambientais e sociais para proteger as populações locais, advertiu o CAO.

A “CFI adquiriu uma participação acionária em um banco comercial com uma exposição considerável a setores e clientes de alto risco, mas que carecia da capacidade para aplicar os requisitos ambientais e sociais” da agência do Banco Mundial, diz o informe do CAO, divulgado no dia 12. “A ausência de um processo de revisão ambiental e social que fosse proporcional ao risco implicou que não foi apresentado aos tomadores das decisões estratégicas uma avaliação adequada dos riscos derivados desse investimento”, acrescenta.

O estudo analisou o investimento de US$ 70 milhões que a CFI fez no banco Ficohsa, o terceiro maior de Honduras. O CAO encontrou que diferentes escritórios da CFI retiveram informação importante sobre o alcance dos negócios entre o Ficohsa e a Corporação Dinant, empresa agroindustrial acusada de travar há anos uma violenta campanha para expandir suas plantações de palma no vale Aguán, norte do país.

A Dinant é propriedade de Miguel Facussé, um dos empresários e latifundiários mais ricos do país, que teria apoiado o golpe cívico-militar que derrubou o então presidente Manuel Zealya, em junho de 2009. Um estudo de 2006 da alemã Fundação Friedrich Ebert considerou Facussé como um dos três “homens mais poderosos de Honduras”. Em janeiro, o CAO também havia criticado outro investimento, de US$ 30 milhões, que a CFI realizou na Corporação Dinant em 2009.

Nos últimos cinco anos, mais de cem pessoas perderam a vida no vale de Aguán em enfrentamentos entre seguranças da Dinant e as cooperativas locais.

A CFI deixou o acordo com a empresa em suspenso e adotou um plano para melhorar a situação. O informe não encontrou provas de que o convênio com o banco Ficohsa buscasse canalizar fundos adicionais para a Dinant, mas os investigadores do CAO sugerem que o resultado foi o mesmo. “Ao renunciar a um pacto financeiro-chave e depois assumir uma participação no patrimônio do Ficohsa facilitou-se um importante movimento de capital para a Dinant, fora do contexto de suas normas ambientais e sociais”, diz o informe.

“A filosofia do Banco Mundial é acabar com a pobreza, mas o que ocorreu neste processo foi totalmente o contrário”, pontuou à IPS a Plataforma Agrária de Honduras, uma rede de 32 organizações camponesas. “Por outro lado, vimos maior riqueza para as corporações e as transnacionais latifundiárias e maior pobreza para os pobres, que foram expulsos de suas terras. E, embora o informe anterior do CAO fosse muito crítico, o Banco Mundial continuou financiando a Dinant através do Ficohsa”, acrescentou a organização.

Em uma resposta formal também divulgada no dia 12, a CFI não questiona as conclusões do CAO, mas sugere que já não são pertinentes devido às mudanças adotadas pela própria agência em parte como reação ao informe que a auditoria divulgou em janeiro sobre a Dinant.

Essas mudanças permitirão, por exemplo, visitas adicionais de supervisão aos “clientes de risco médio”. Além disso, “vários processos novos também buscarão fechar as brechas de informação do tipo que levou às revelações sobre o Ficohsa, incluída a criação de um novo cargo em nível de vice-presidente que se dedicará ao “risco e à sustentabilidade”.

“Esta estrutura nova dará o mesmo peso e atenção ao risco ambiental e social que aos riscos financeiros e de reputação”, escreveram dois vice-presidentes da CFI em carta endereçada ao CAO. Porém, o crítico informe do CAO deu mais força a uma campanha para convencer o Banco Mundial a modificar as relações da CFI com intermediários financeiros como o Ficohsa. Esses negócios adquiriram uma importância crescente na carteira da CFI na última década, mas receberam tradicionalmente muito menos supervisão da agência.

Nestes projetos, a CFI exige que o intermediário estabeleça um sistema para garantir o cumprimento de rígidas garantias ambientais e sociais. Mas, na prática, a análise das consequências deste sistema fica a cargo do intermediário.

“Em muitos casos se questionou este problema, pelo qual o intermediário financeiro realiza o desembolso e a CFI é totalmente alheia e não sabe o que está acontecendo”, assegurou Carla García Zendejas, diretora de programas no Centro de Direito Ambiental Internacional (Ciel), uma organização com sede em Washington. “Esse é o caso aqui. Embora se tenha um sistema para avaliar os riscos, se não se age corretamente, não serve para nada”, afirmou à IPS.

O CAO questionou reiteradamente os investimentos da CFI com intermediários financeiros. Desta vez os investigadores sabem que o caso hondurenho, provavelmente, não seja um incidente isolado. “As deficiências identificadas nessa investigação indicam um sistema de apoio aos intermediários financeiros que não respalda os compromissos ambientais e sociais da CFI”, segundo o CAO.

As conclusões do CAO indicam que os investimentos bancários da CFI têm “uma exposição sem analisar nem quantificar projetos com potenciais impactos ambientais e sociais adversos”. A auditoria alerta que, por causa dos mecanismos de divulgação atuais, “essa exposição é secreta nos fatos”, por isso pede a “reavaliação” da gestão do risco social e ambiental por parte da agência em suas relações com as instituições financeiras.

“Uma das principais conclusões deste informe é que há uma ruptura na abordagem” da CFI aos intermediários financeiros, “sobretudo na categorização do risco”, disse Jelson García, do Centro de Informação do Banco (BIC). “Isto se vincula a casos recentes na Birmânia e Índia como um exemplo a mais da necessidade de a CFI adotar reformas rigorosas e urgentes em sua estratégia de empréstimos aos mercados financeiros”, ressaltou o representante da organização norte-americana.

Segundo as organizações sociais, o problema primordial é que a cultura institucional da CFI prioriza o volume e não a qualidade dos empréstimos desembolsados. BIC, Ciel e outros grupos reclamam do presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, que ordene a preparação de um plano de reformas, que esteja pronto para as reuniões da instituição financeira em outubro. Envolverde/IPS