A nova distribuição dos royalties do petróleo, aprovada pelo Senado na última semana, não prevê destinação de parte dos recursos para educação e ciência, com percentuais pré-definidos, como previa o Projeto de Lei do Senado (PLS) 448/11. O substitutivo ao PL, proposto pelo senador Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB), acabou por vincular parte da verba para a área, mas de maneira genérica, alterando a proposta inicial, do senador Wellington Dias (PT-PI).
A decisão tem gerado polêmica entre órgãos da sociedade civil, instâncias do governo e até mesmo entre parlamentares. “Será um atraso para nosso país. O antigo projeto não era o ideal, mas pelo menos tinha parte específica para ciência e tecnologia, e uma pequena consideração pela educação”, afirma a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader.
“Se os royalties forem aplicados corretamente naquilo que é necessário para educação e ciência, essa ciência vai desenvolver a tecnologia e trazer a inovação. É consenso de que é preciso melhorar a educação e isso poderia vir do petróleo. A Câmara deveria reverter o malefício da votação do Senado”, completa.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) se posiciona a favor da especificação de porcentagem para a área, bem como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada do Ministério da Educação. A Academia Brasileira de Ciências (ABC) também tem se manifestado contra a aprovação do projeto com alterações de Vital do Rêgo.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) fez um apelo em Plenário, nesta quarta-feira (26), para que o Brasil observe a experiência do Catar – um dos maiores produtores de petróleo per capita. O país criou uma fundação para o desenvolvimento da educação, da ciência e da comunidade, nos moldes do fundo proposto por ele e pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), no PLS 594/2011.
De acordo com o novo projeto, os royalties poderão ser gastos com “educação, infra-estrutura social e econômica, saúde, segurança, programas de erradicação da miséria e da pobreza, cultura, esporte, pesquisa, ciência e tecnologia, defesa civil, meio ambiente, programas voltados para mitigação e adaptação às mudanças climáticas e para o tratamento e reinserção de dependentes químicos”.
O senador Nunes lamentou que o substitutivo do projeto fixe muitos destinos para os recursos dos royalties. Segundo ele, quando se têm muitas prioridades, não há prioridade alguma. A presidente da SBPC, concorda. “Todas as temáticas têm mérito, mas quando não se determina prioridade fica difícil seguir e cobrar que essa lei seja cumprida como o rigor que se espera”, diz.
Para Helena, se pelo menos 20% dos royalties fossem destinados à educação e ciência, o país já conseguiria evoluir em um ritmo mais rápido nessas área. “Se não estiver claro o compromisso, daqui alguns anos outro governo entra e onde estará escrito o que deve ser cumprido? Não estará garantido na lei.”
Uma reunião que estava marcada para terça-feira (25/10), na qual líderes partidários discutiriam o calendário da votação do projeto na Câmara, foi cancelada. O presidente do órgão, Marco Maia, tentará inserir o tema nas votações da segunda semana de novembro. Segundo ele, depende de um acordo de líderes do governo e da oposição para liberar a pauta do Plenário, que está trancada por medidas provisórias.
Fundos
A comunidade científica também tem ressaltado o fato de o projeto acabar com o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, criado há mais de 20 anos e voltado para o desenvolvimento cientifico do país.
Além disso, reportagem da versão online da revista Nature destaca que com a aprovação da proposta, um grande perdedor será o CT-Petro, fundo setorial que foi criado para estimular a inovação nos campos de petróleo e gás natural. A perda seria de aproximadamente R$ 12,2 bilhões em 2020, o que implicaria queda de 72% na receita, segundo a reportagem.
Votação
A aprovação do projeto no Senado, ocorrida em 19 de outubro, foi resultado de uma votação simbólica. Permitida pelo Regimento Interno do Senado em certos tipos de matéria, na votação simbólica, os senadores se manifestam pela aprovação permanecendo sentados, enquanto os que se levantam votam pela rejeição. Os votos de cada senador não ficam registrados, o que aconteceria com a votação nominal.
Para o senador Buarque, mesmo quando há acordo de líderes, é necessário que haja a votação nominal. Assim, a população pode saber como votou cada senador.
“Achei chocante um tema de importância vital ser resolvido de uma forma tão pequena. Gostaria de saber um a um, dos três senadores de cada estado, qual era a real posição deles”, questionou Helena.
A presidente da SBPC tem escrito para membros do Congresso Nacional para tentar reverter o processo de aprovação das propostas ao PLS 448/11. Ela enviou uma carta aos deputados na última segunda-feira (24/10).
A reportagem do Portal Aprendiz tentou entrar com o senador Vital do Rêgo, mas não obteve retorno.
* Publicado originalmente no Portal Aprendiz.