Cairo, Egito, 28/8/2012 – A Irmandade Muçulmana parece aplicar no Egito as mesmas táticas contra a imprensa usadas pelo regime de Hosni Mubarak (1981-2011), exercendo forte controle sobre os meios de comunicação estatais e intimidando jornalistas independentes. Observadores alertam que o governante Partido Liberdade e Justiça, fundado pelo outrora proscrito movimento islâmico, tem claras intenções de estender sua influência sobre todos os meios de comunicação do país. Nas últimas semanas teria tentado silenciar jornalistas críticos.
“Estamos presenciando um aumento da pressão por parte da Irmandade Muçulmana contra a liberdade de expressão”, afirmou o porta-voz da Organização Egípcia para os Direitos Humanos, Sherif Etman, “Usam algumas das mesmas técnicas que Mubarak empregava para reprimir a imprensa”, acrescentou. O regime de Mubarak utilizava severas leis e a mídia do Estado para censurar as críticas de grupos islâmicos e de outros opositores políticos. Agora, a Irmandade Muçulmana adota táticas semelhantes, argumentando que existe uma campanha para minar o poder do novo presidente, Mohammad Morsi.
No começo deste mês, Morsi anunciou que seu gabinete incluiria um ministro de Informação, cargo utilizado por anteriores regimes egípcios para fixar a linha editorial dos canais estatais de televisão. A designação como ministro de Salah Abdel Masqsoud, membro da Irmandade Muçulmana, fez surgir as primeiras suspeitas de que o movimento islâmico pretende aumentar sua influência nos meios de comunicação públicos. Ativistas também acusaram a Irmandade Muçulmana de aproveitar sua maioria no Conselho da Suhra (câmara alta do parlamento) para endurecer seu controle sobre a imprensa estatal.
Em junho, esse órgão criou um comitê de 14 membros, encabeçado por um legislador desse grupo, com a missão de designar os novos editores-chefes em 45 publicações estatais. Vários jornalistas se demitiram em protesto pelo que qualificaram de flagrante tentativa de manipular o processo de escolha. Também criticaram que vários dos editores foram indicados por sua fidelidade ao governo, e não por méritos profissionais. Ativistas afirmaram que os novos editores impuseram imediatamente linhas editoriais favoráveis ao novo presidente e à Irmandade Muçulmana.
“Se compararmos o último número (de cada publicação), feito pelo último editor, com o primeiro do novo editor… Fica óbvio que queriam deixar claro sua lealdade” à Irmandade Muçulmana, opinou à IPS o subchefe do Sindicato dos Jornalistas, Abeer Saady. Poucas horas depois de assumir o cargo, o novo editor-chefe do principal jornal estatal, o Al-Ahram, cancelou a publicação de uma seção que fazia um acompanhamento das promessas do novo presidente para seus primeiros cem dias de governo. Não foi dada nenhuma explicação para essa medida.
Por sua vez, Mohammad Hassan El-Banna, novo editor do jornal estatal Al-Akhbar, eliminou uma página de opinião conhecida por suas críticas à Irmandade Muçulmana. El-Banna negou acusações de querer silenciar a oposição e garantiu que tomou a decisão apenas por razões de espaço. No entanto, vários colunistas desse jornal denunciaram casos de censura. Uma crítica literária disse que os editores lhe pediram para baixar o tom em um artigo no qual questionava a Irmandade Muçulmana por querer dominar todo aparelho estatal. El-Banna assegurou que estava disposto a aceitar a crítica, e argumentou que o artigo foi eliminado depois que a autora se negou a mudar uma frase que ele considerava ofensiva: “O jornalismo usa véu”.
A Irmandade Muçulmana também é acusada de orquestrar uma campanha contra meios de comunicação independentes. Nas últimas semanas, o governo de Morsi deu passos para censurar notícias e processar jornalistas opositores utilizando leis da era Mubarak. No dia 11, as autoridades confiscaram cópias do jornal Al-Dustour e enviaram à justiça seu editor, um aberto crítico dessa organização, acusando-o de insultar o presidente e promover o ódio sectário.
Dias antes, o canal de televisão privado Al-Faraeen foi tirado do ar depois que seu proprietário e principal apresentador, Tawfik Okasha, foi acusado de ter incitado os telespectadores a assassinarem Morsi. Ativistas admitiram que os editoriais do Al-Dustour eram provocativos e que Okasha era um antigo partidário de Mubarak, famoso por suas teorias conspirativas e violentas críticas. Entretanto, condenaram a forma como o governo silenciou os dois jornalistas.
“Não se trata de apoiarmos ou estarmos contra o canal Al-Faraeen. O que nos preocupa é que foi fechado por um decreto administrativo e não por uma decisão judicial”, esclareceu Saady. “Nem mesmo Mubarak fez uma coisa assim, ou, pelo menos, não até os últimos dias de seu regime de 30 anos. Se o governo de Morsi começar a agir dessa forma, como terminará?”, acrescentou. A Irmandade Muçulmana negou repetidamente ter intenções de censurar seus críticos. Líderes do movimento asseguraram acreditar na liberdade de expressão, mas insistiram que é preciso estabelecer limites quando os jornalistas difamam o presidente, incitam à violência ou agravam as tensões sectárias.
O novo ministro de Informação concorda com os controles. Quando foi consultado sobre o confisco do Al-Dustour e o fechamento do Al-Fareen, disse que o trabalho dos jornalistas deve ter limites. “Há uma clara diferença entre a liberdade, de um lado, e a calúnia, difamação e incitação ao assassinato, por outro”, destacou. No mês passado, o porta-voz de Morsi disse que o presidente havia iniciado ações legais contra dois meios de comunicação, os quais não mencionou, por supostamente terem publicado “notícias falsas” contra o mandatário.
A Irmandade Muçulmana, por sua vez, também apresentou demandas contra outros meios de comunicação. Entretanto, um porta-voz do movimento assegurou que a maioria dos casos foi iniciada por cidadãos “descontentes com os insultos” de alguns jornalistas. Por sua vez, ativistas denunciaram que o grupo islâmico estimula seus seguidores a apresentarem demandas para assediar e intimidar opositores. Envolverde/IPS