Abdijã, Costa do Marfim, 31/7/2012 – Nove mulheres na cidade de Katiola, na Costa do Marfim, foram condenadas pela prática do ritual de mutilação genital em mulheres. É a primeira vez que se aplica uma lei de 1998 contra essa tradição. As mulheres foram consideradas culpadas de mutilar as genitais de meninas entre dez e 15 anos em fevereiro, e foram condenadas a um ano de prisão e multa equivalente a US$ 100. “Esperamos muito tempo por um impulso na luta contra esse flagelo”, declarou Rachel Gogoua, diretora da não governamental Organização Nacional para a Infância, as Mulheres e a Família, com sede em Abdijã. “O tempo de conscientizar acabou. Agora precisamos castigar os responsáveis”, acrescentou.
O tribunal de Katiola emitiu as sentenças no dia 18, mas, considerando a idade das mulheres (entre 46 e 91 anos), isentou-as de cumprir a prisão. Gogoua disse à IPS que as condenadas deveriam cumprir pelo menos um tempo simbólico na cadeia para enviar uma mensagem a quem pratica a mutilação em diversas partes do país. “A lei que proíbe essa prática foi aprovada em 1998, e realizamos uma extensa campanha de educação pública a respeito. No final, nos damos conta de que estas mulheres não nos levam a sério. Sabem da lei, mas a desafiam sob o pretexto de que é uma tradição”, lamentou Gogoua.
Apesar da lei de 1998, a mutilação genital feminina continua sendo uma prática generalizada na Costa do Marfim, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Essa agência estima que 36% das mulheres marfinenses são submetidas à mal chamada “circuncisão feminina”, o que converte este país em um dos mais afetados da África. A prática consiste na remoção completa ou parcial das genitais externas femininas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). É mais comum nas zonas norte e noroeste do país, onde quase 88% das mulheres foram mutiladas, e no oeste, onde a prevalência é de 73%, segundo o Unicef.
Massandjé Timité, de 33 anos, é originária de Marandallah, no norte. “Ainda sinto dor da ablação, 15 anos depois”, contou à IPS. “Foi um trauma terrível. As feridas curam muito lentamente, e cada dia que passava me sentia pior”, detalhou. Timité disse que invocar a tradição é um argumento fraco. “Quando a incisão é mal feita, como foi no meu caso, ninguém vem ajudar. A tradição diz que uma mulher deve perder exatamente o que lhe permite dar a vida?”, questionou.
Apesar de numerosas campanhas de conscientização, a mutilação continua sendo praticada. “Entre nós, os wobé (grupo étnico no oeste), é vergonhoso uma mulher ser chamada de ‘zoegbe’ (não circundada)”, explicou Cécile Gnowahou, de 26 anos, que foi submetida à ablação quando tinha 11 anos. “Você não tem direito de se casar, e, em geral, é ridicularizada na aldeia. É um costume que existia antes de nossos pais e de nossos avós. A ablação causa muito mais dano do que se pensa”, afirmou.
“Às vezes inclusive provoca a morte. Mas, quando isto ocorre, a situação é resolvida de forma amigável entre as famílias”, acrescentou Gnowahou. Sua própria experiência ilustra o dilema social que representa a mutilação genital sofrida por muitas mulheres. “Não só não pude me casar depois do prolongado sangramento que sofri como, agora, com os tempos tendo mudado, qualquer homem que sabe da minha condição me rejeita”, contou.
Além disso, Gnowahou expressou a esperança de que, se a lei for aplicada, diminua a prevalência da mutilação genital. Com ela concordou a ministra de Família, Mulheres e Infância, Raymonde Goudou Coffie, para quem a sentença em Katiola é apenas o começo. A ministra afirmou que a lei será aplicada com toda severidade contra as práticas que vão contra a dignidade humana, particularmente das mulheres. Envolverde/IPS