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O Alcorão pode desequilibrar as urnas

A maioria dos muçulmanos norte-americanos votaria em Obama. Foto: Pete Souza/Casa Branca

Washington, Estados Unidos, 29/10/2012 – Os muçulmanos dos Estados Unidos podem ter um papel inesperadamente decisivo nas eleições deste país, marcadas para o dia 6. Uma pesquisa de intenção de voto diz que 68% dos entrevistados membros dessa coletividade se manifestaram a favor da reeleição de Barack Obama, do Partido Democrata, e apenas 7% disseram votar em Mitt Romney, do opositor Partido Republicano.

Nessa pesquisa, baseada em entrevistas com 500 eleitores muçulmanos, o que mais surpreendeu foi que 25% disseram que ainda não se decidiram. As dezenas de milhares de indecisos estão desproporcionalmente concentrados em três dos chamados “Estados pêndulos”: Flórida, Ohio e Virgínia, onde a competição é renhida e as eleições podem ser definidas. E, por isso, foi para onde os candidatos se dirigiram nas duas últimas semanas de campanha.

“O voto muçulmano poderia ser decisivo em vários Estados competitivos”, disse Naeem Baig, a presidente do Grupo de Tarefas Muçulmano-Norte-Americano sobre Direitos Civis e Eleições, que copatrocinou a pesquisa, realizada nas duas primeiras semanas deste mês e divulgada no dia 24. Grandes maiorias de entrevistados disseram que os Estados Unidos deveriam apoiar os rebeldes na Síria (68%) e que Washington fez o correto ao intervir na Líbia no ano passado, junto com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (76%). Os entrevistados se dividiram em partes bem parelhas quando perguntados se Washington deu suficiente apoio aos levantes no Oriente Médio e no norte da África, conhecidos como Primavera Árabe.

O número exato de muçulmanos nos Estados Unidos e quantos deles votam é assunto de considerável debate. Os cientistas nesse país não estão autorizados a perguntar aos cidadãos a qual religião pertencem. O conselho sobre Relações Norte-Americano-Islâmicas (Cair), outro copatrocinador do estudo, estima que os muçulmanos neste país somem entre seis milhões e sete milhões, mais ou menos a mesma quantidade que os membros da comunidade judia.

O Centro de Pesquisas Pew, por outro lado, estimou, no ano passado, o número total de muçulmanos norte-americanos em 2,75 milhões, dos quais um milhão são crianças e, portanto, não votam. Concluiu também que mais de 60% dos norte-americanos que abraçavam a religião islâmica eram imigrantes, e, destes, mais de 70% cidadãos legais. A maioria dos muçulmanos nativos tem ascendência africana, e, junto com árabes, iranianos e sul-asiáticos representam cerca de 80% da população maometana dos Estados Unidos.

O Cair estima que o número total de muçulmanos registrados para votar é de, pelo menos, um milhão. Ohio, segundo esta instituição, tem cerca de 50 mil seguidores do Islã habilitados para votar, Virgínia 60 mil e Flórida entre 70 mil e 80 mil. Historicamente, os muçulmanos norte-americanos se dividiam em partes iguais em seu comportamento eleitoral. Contudo, nas eleições de 2000, 72% votaram em George W. Bush (2001-2009), sobretudo porque durante a campanha manteve longos contatos com organizações islâmicas.

Além disso, em um debate crucial com seu adversário, Al Gore, Bush se expressou contra o uso de evidência secreta em audiências de deportação e rejeitou o uso de critérios raciais na elaboração dos perfis policiais. Quatro organizações islâmicas apoiaram sua candidatura. No entanto, desiludidos pela dura resposta após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova York e Washington, que incluiu a detenção de centenas de seguidores do Islã, a aprovação da severa Lei Patriota e a guerra contra o Iraque, os muçulmanos abandonaram Bush.

Nas eleições de 2004, 93% dos maometanos votaram no então candidato democrata, John Kerry, 5% no independente Ralph Nader e apenas 1% em Bush, segundo pesquisas do momento. O giro para o Partido Democrata continuou em 2008, quando quase 90% dos eleitores muçulmanos escolheram Obama, e apenas 2% seu rival republicano, o senador John McCain.

Entretanto, não está claro se Obama será capaz de reter esse apoio, segundo o diretor executivo do Cair, Nihad Awad, para quem os muçulmanos estão em parte decepcionados com o presidente por não ter cumprido plenamente algumas de suas promessas de campanha, como, por exemplo, eliminar algumas disposições da Lei Patriota e fechar a prisão na base militar de Guantânamo, em Cuba. Além disso, como o público em geral, os muçulmanos também estão decepcionados pelo desempenho do presidente em temas como economia e emprego.

Também o uso de aviões não tripulados para atacar supostos membros da Al Qaeda no Paquistão “não cai bem na comunidade” islâmica, afirmou o presidente do comitê de assuntos públicos da Sociedade Muçulmana Norte-Americana, Oussama Jammal. Por outro lado, revelações de uma “vigilância sem precedentes” nas mesquitas do país e o uso de agentes provocadores por parte do FBI também minaram a confiança da comunidade maometana em Obama, explicou Baig.

A pesquisa feita este mês também concluiu que 91% dos consultados pensam em votar nas próximas eleições. Nas últimas, de 2008, apenas 57% dos muçulmanos registrados votaram. Envolverde/IPS

* O blog de Jim Lobe sobre política externa pode ser lido em www.lobelog.com