O Brasil e o desafio da inovação para a sustentabilidade

Relatório da ONU estima que são necessários investimentos adicionais de US$ 1,9 trilhão por ano na transformação tecnológica da economia mundial até 2050.

O relatório The World Economic and Social Survey 2011: The Great Green Technological Transformation (Pesquisa Econômica e Social Global: A Grande Transformação Verde), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no início da semana passada, estima que o mundo necessite de investimentos adicionais, de US$ 1,9 trilhão por ano na transformação tecnológica da economia mundial até 2050, para fazer a transição para uma economia sem carbono que, ao mesmo tempo, combata a fome e a pobreza. No Brasil, a taxa total em todo tipo de investimento ficou em 18,4% do PIB, em 2010.

O mesmo relatório calcula que somente os países em desenvolvimento precisarão investir US$ 1,1 trilhão a mais por ano em tecnologia verde para satisfazer a demanda alimentar e energética. Isto implica ampliar a taxa de investimento nacional entre 2% e 4% em relação ao PIB nos países em desenvolvimento para descarbonização da economia. Esse estudo servirá de base para os debates que serão organizados para a Rio+20, que vai se realizar no ano que vem, no Rio de Janeiro.

Este relatório da ONU é o estudo social e econômico que a entidade divulga todos os anos, apontando diretrizes mundiais para a superação dos graves problemas enfrentados pela humanidade. A ONU cumpre, assim, um de seus papéis fundamentais, que é o de orientar os governos dos países-membros quanto a prioridades de investimento.

O foco do relatório deste ano são as tecnologias verdes, consideradas pela entidade como imprescindíveis para a transformação da economia mundial, reforçando o conteúdo dos relatórios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) sobre economia verde.

Essa entidade calcula que investimentos da ordem de US$ 1,2 trilhão por ano são necessários para financiar a transição para uma economia que seja de baixo carbono e, ao mesmo tempo, sirva para combater a miséria e a fome. No último informe do Pnuma, feito em fevereiro deste ano a ministros de meio ambiente de mais de cem países, o diretor da entidade, Achim Steiner, reiterou que o crescimento das economias não pode ser feito à custa da degradação ambiental. E que não haverá equilíbrio ambiental enquanto existirem fome e miséria. Ele também alertou que o mundo vem gastando entre 1% e 2% do PIB mundial, que é de US$ 60 trilhões, em subsídios que só cristalizam recursos não sustentáveis em setores como agricultura e energia.

O estudo econômico e social divulgado agora é produto do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, ligado diretamente à Secretaria-Geral da entidade. De acordo com ele, além do trilhão de dólares citado pelo Pnuma, o mundo precisará de outros quase US$ 2 trilhões, nos próximos 40 ou 50 anos, para aplicar em inovação tecnológica que garanta a “base operacional”, por assim dizer, da economia verde.

A economia verde, no contexto do combate à pobreza, e a inovação tecnológica serão os eixos da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, que vai se realizar no Rio de Janeiro, em junho do ano que vem.

O desafio brasileiro

A ONU calcula que, desses US$ 2 trilhões a mais de investimento em inovação, US$ 1,1 trilhão devem ser investidos nos países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil.

Ainda não temos um cálculo de quanto vamos precisar gastar para fazer a transição para uma economia inclusiva, verde e responsável. Também não estabelecemos diretrizes e linhas de financiamento ou mesmo políticas de incentivo para esta nova economia.

O longo período de instabilidade macroeconômica que se seguiu à industrialização brasileira atrasou seu caminho rumo à inovação. A reversão começou na década de 1970. Primeiro veio o sistema de Ciência e Tecnologia, com foco no financiamento da pesquisa científica (CNPq, Capes). A partir de 2004, a situação começou a melhorar, com o anúncio da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), estruturada em torno da inovação.

Começou-se a perceber que a sustentabilidade do crescimento econômico brasileiro, no médio e longo prazos, está intimamente ligada à capacidade de utilização e geração de conhecimento, assim como à habilidade em transformar conhecimento em inovação tecnológica. Atualmente, o Brasil investe cerca de 1% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D), contra 18% da China.

O setor privado brasileiro responde pela menor parte desse investimento (cerca de seis mil empresas, investindo em média 0,6% do seu faturamento, contra 2,7% da Alemanha), situação muito diferente dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), e de emergentes como a China e a Índia. Menos de 3% das empresas industriais brasileiras fazem alguma inovação de produto para o mercado e menos de 200 inovam para o mercado exterior.

O amplo mercado consumidor do Brasil e sua indústria relativamente desenvolvida (mais de 90 mil firmas industriais empregam mais de seis milhões de pessoas, investindo cerca de R$ 3 bilhões por ano em P&D) podem reverter esse quadro.

As empresas que investem em P&D aumentam sua taxa de investimento em capital fixo, sinalizando para os governos que o incentivo à inovação nas empresas, ao investimento em P&D, à diferenciação de produtos e processos e à diversificação das estratégias organizacionais e de negócios são peças essenciais para o aumento do investimento geral na economia.

O Instituto Ethos tem se preocupado com a inovação para a transição do país a uma nova economia e acredita que, assim como verificado em outros momentos da história do capitalismo, também a economia verde será inovada (e não inventada). Como sempre, os pioneiros acumularão vantagens competitivas.

Políticas públicas voltadas para a inovação

No ano passado, a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) entregou ao Ministério da Ciência e Tecnologia um documento com propostas para políticas de incentivo à inovação que visem ao desenvolvimento de negócios, produtos e serviços que contribuam para uma economia centrada no baixo consumo de recursos naturais.

Entre as principais propostas estão a criação de incentivos e impostos verdes para inovações verdes, isenção ou redução de impostos para as empresas que desenvolverem produtos e serviços sustentáveis para as classes da base da pirâmide social e uma maior participação do setor privado nas estratégias apresentadas pelo Brasil nos fóruns internacionais de deliberação sobre políticas de redução de emissões dos gases do efeito estufa, como Kyoto e Copenhague.

Entre os projetos que recebem investimento de fundos privados, estão o da empresa Brazil Timber, especializada em gestão de florestas. A empresa monitora árvores e indica quais podem ser derrubadas, dentro dos critérios socioambientais de manejo. Trata-se de um trabalho muito especializado, metódico e detalhista, que não admite erros, pois garante a origem da madeira certificada. Em muitos locais do tamanho do Estádio do Maracanã, por exemplo, uma árvore só pode ser cortada a cada cinco anos, e fazer o monitoramento de todas exige muita precisão. No entanto, o investimento tem dado retorno, porque o metro cúbico da madeira certificada chega a ser cinco vezes maior do que o da madeira sem garantia de origem.

Outro exemplo é a Ecosorb Tecnologia, companhia de serviços ambientais que atua na limpeza de portos e terminais, bem como na construção civil. A empresa usa produtos especiais para a limpeza de navios, contêineres e plataformas petrolíferas, e também atua em emergências, impedindo que óleo e produtos químicos se espalhem pelo meio ambiente.

* Publicado originalmente no site do Instituto Ethos.