A continuar assim, o Brasil ainda vai chorar por não ter passado, nem história para contar.
Uma nota, pequena, sem destaque, no Caderno “Ciência”, da Folha de S.Paulo de 11 de novembro, diz que o Senado Federal, por meio da Comissão de Constituição e Justiça, vai pôr em votação proposta de emenda à Constituição, PEC 215, que, com um jeito deslavado, quer mesmo acabar com as terras dos indígenas brasileiros e quiçás, quer acabar com todos eles.
Pela tal emenda pretende-se que seja o Congresso Nacional o competente para “aprovar a demarcação das terras ocupadas pelos indígenas e ratificar as demarcações já homologadas”. Desse jeito, querem os senhores senadores e deputados deste Brasil rever tudo o que já foi feito em termos de reconhecimento do que são e onde estão as terras dos índios. Tal poder hoje, pela Constituição Federal, é exclusivo da nossa presidente da República.
A nota termina de forma triste, senão risível, ao dizer que os deputados que defendem a Emenda e os empresários ruralistas, especialmente os de Roraima, estão inconformados, porque, segundo eles, metade do território roraimense, por exemplo, foi “perdido” para os índios, ficando “inviabilizado” para a agropecuária.
Ora, à parte do equívoco histórico, que não vê que o indígena é dono destas terras brasilis bem antes de o agronegócio aqui chegar, há que se atentar que existem outras onze propostas de emendas à Constituição que seguem o mesmo caminho dessa de número 215.
A questão do índio brasileiro precisa levar gente para a rua, suscitar debates e acontecer na mídia. No dia 28 de outubro, foi baixada a Portaria Interministerial de número 419, assinada pelos ministros da Justiça, Meio Ambiente, Saúde e Cultura, pela qual se regulamenta, de acordo com os interesses do governo, a atuação da Funai, da Fundação Cultural Palmares (FCP), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Ministério da Saúde na elaboração de pareceres em processos de licenciamento ambiental de competência federal, a cargo do Ibama.
A portaria acaba por reduzir prazos para a tramitação de tais processos e, poderá assim permitir que concessões de licenças ambientais sejam dadas, no afogadilho, a grandes e ávidos projetos econômicos que envolvem construção de hidrelétricas, mineração, rodovias e expansão da agricultura e pecuária em regiões onde habita o povo indígena.
A justificativa de que a lentidão para a aprovação de tais concessões impede o progresso e o desenvolvimento do país é falácia para esconder o desrespeito e o avanço destruidor sobre bens e patrimônios nacionais. O índio brasileiro precisa sobreviver e viver em suas terras.
Quando leio este texto, ainda não se sabe o destino do corpo do cacique Nisio Gomes, executado, há dois dias, em 18 de novembro, em meio ao seu povo, os guarani-kaiowá, que lutam para ocupar suas terras, no Mato Grosso do Sul. A população indígena desse Estado vem sendo vítima de violências constantes e, tudo indica, que o que se quer é o seu total extermínio. O cacique Nisio foi executado por pistoleiros, com vários tiros e agressões, diante de seus familiares. Seu corpo foi levado numa camionete, não se sabe para onde. Talvez para distante de suas terras, com o fim de impedir que seja ele enterrado onde estão suas raízes e sua história. A ação dos poderosos extrapola a sanha do poder econômico e fere fundo os direitos humanos fundamentais.
A continuar assim o Brasil ainda vai chorar por não ter passado, nem história para contar. A presidenta Dilma precisa voltar seus olhos, com urgência e sinceridade, para a questão indígena sob pena de ostentar em seu governo a triste marca do descaso, da violência e do extermínio do povo mais brasileiro deste país.
* Dora Martins é integrante da Associação Juízes para a Democracia.
** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.