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O caminho de Damasco a Moscou

Um delegado da oposição síria em Genebra II. Foto: UN Photo/Eskinder Debebe
Um delegado da oposição síria em Genebra II. Foto: UN Photo/Eskinder Debebe

 

Genebra, Suíça, 6/2/2014 – O peso de uma saída negociada para a guerra civil na Síria agora recai sobre as potências, Estados Unidos e Rússia, que atuam nos bastidores desde que há três anos começou o conflito armado entre o regime de Bashar al Assad e a oposição rebelde.

Assim será pelo menos até a próxima semana, enquanto são interrompidas as negociações patrocinadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) após o magro resultado da primeira rodada, encerrada no dia 31 de janeiro.

A atenção se concentra em Moscou, que, apesar de apoiar desde o primeiro dia o governo de Assad, emite alguns sinais que abrem perspectivas diferentes. Washington, por outro lado, persiste em uma rejeição frontal ao regime de Damasco, sem o menor sinal de abertura. As últimas manifestações de seu secretário de Estado, John Kerry, mostraram um endurecimento e inclusive veladas ameaças de uso da força.

O governo de Barack Obama teve que desistir dos planos de intervenção armada na Síria pelas objeções surgidas nos Estados Unidos e no plano internacional, e também pela repercussão da rejeição por parte do parlamento da Grã-Bretanha, em outubro. Por sua vez, Moscou, que conseguiu flexibilizar a postura de Damasco em matéria de armas químicas, acesso da ajuda humanitária e eventuais cessar-fogos localizados, agora surpreende ao receber uma delegação das forças opositoras a Assad.

Uma missão de rebeldes sírios viajou para Moscou, no dia 4, a convite do governo russo, confirmou o porta-voz da coalizão, Louay Safi. Fontes russas disseram à IPS que o ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, fez o convite quando encontrou, há duas semanas, dirigentes opositores sírios em Paris.

“Agora dependemos dos russos”, disse Safi em um encontro com a imprensa no dia 31 de janeiro, após finalizar a primeira rodada de oito dias das negociações denominadas Genebra II. “Foram eles (os russos) que obrigaram o regime de Assad a vir aqui”, acrescentou Safi. Os russos sabem quanto derramamento de sangue causou o regime com seus atos, que caem na categoria de crimes de guerra e de lesa humanidade, ressaltou.

“A Rússia pressiona e nós temos esperanças de que convencerá o chefe do regime a aceitar a solução segura para todos os segmentos da população síria e para o futuro do país, com sua saída do poder”, afirmou Safi. O afastamento de Assad é a condição essencial apresentada pela coalizão opositora nas negociações de Genebra II, iniciadas no dia 24 sob patrocínio da ONU.

Sobre este ponto, o diplomata argelino Lakhdar Brahimi, mediador designado pelas Nações Unidas, afirmou que as duas partes reconhecem que um acordo deve incluir a questão da criação de um órgão de governo transitório. Mas Brahimi também admitiu que nessa questão as posições mais importantes ainda estão muito distantes.

A coalizão opositora, que aposta todas suas cartas na saída de Assad do governo, confia em uma gestão da Rússia sobre o assunto. Mas, “se isso acontecerá ou não, não posso prever”, observou Safi. Em declaração à televisão russa na semana passada, Lavrov disse que o objetivo é alcançar o mais rápido possível um entendimento entre o governo e uma oposição razoável, secular e patriótica, para que, junto com um acordo político, ajude a combater os terroristas.

Neste ponto, coincide com as posições do governo de Assad, que atribui todos os desastres da Síria ao surgimento de grupos militarizados extremistas procedentes de outros países islâmicos, vinculados à rede Al Qaeda. A especialista em política externa russa Natalia Narochnitskaya, disse à IPS que “o regime de Assad nunca foi um regime dos anjos. Mas, com suas atrocidades, os fanáticos que proclamam lutar pela liberdade cometeram cem vezes mais pecados do que o Estado de Assad”.

Narochnitskaya preside o Instituto da Democracia e da Cooperação, com sede em Paris, entidade mantida pelo governo russo, reconheceu. A especialista pontuou que “os fanáticos muçulmanos que chegaram à Síria de todo o mundo não lutam pela democracia”. A primeira vítima será a Europa, não a Rússia, os países próximos, como Itália e França, que têm uma crescente população muçulmanas, afirmou

Narochnitskaya negou que Moscou se mova por interesses geopolíticos. “Não estamos encantados com o atual regime sírio, mas muito mais perigoso para a região será o desmembramento da Síria. O que está em jogo é muito mais do que a participação em contratos petroleiros, ou seja lá o que for”, concluiu.

Outro especialista em política russa, André Liebich, ex-professor do Graduate Institute, disse que manter Assad no poder é para a Rússia a menos ruim de várias opções também ruins. Uma vitória dos rebeldes apoiados pelo Ocidente, um resultado cada vez menos provável, seria para Moscou uma derrota em termos de prestígio e interesses locais, afirmou em uma declaração divulgada pelo Graduate Institute, um centro de ensino superior com sede em Genebra.

Liebich considera que um triunfo dos islâmicos levaria o movimento jihadista às portas da Rússia e fortaleceria grupos semelhantes nas fronteiras meridionais russas. O único raio de esperança para Moscou é o Ocidente se aproximar de suas posições, mas falta saber se isso significa que as duas partes podem coincidir em uma alternativa aceitável para Assad, ressaltou. Uma resposta poderá ser conhecida quando as negociações de paz forem reiniciadas, provavelmente no dia 10, também em Genebra. Envolverde/IPS