Vinte anos após o lançamento do 1º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), os impactos dos eventos climáticos sobre a população humana continuam sendo intensamente debatidos. Assim, medidas para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e adaptação às adversidades climáticas têm sido tomadas em vários países do mundo, seja individualmente ou cooperativamente via Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC).
Nos últimos anos, o Brasil teve grande destaque no desenvolvimento de projetos de redução de emissões de GEE, ficando em 3º lugar no ranking mundial dos países com mais projetos financiados pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) – mecanismo estabelecido pelo Protocolo de Kyoto que prevê o pagamento por tonelada de CO2 que deixa de ser emitida ou é removida da atmosfera nos países em desenvolvimento. Somente com esses projetos, estima-se que o Brasil tenha conseguido evitar a emissão de cerca de 200 milhões de toneladas de CO2 até o momento.
Contudo, o avanço do Brasil e do mundo na mitigação de emissões de GEE via mecanismos de mercado de créditos de carbono não será suficiente para impedir que as alterações climáticas atinjam de forma drástica regiões vulneráveis. A ciência diz que efeitos drásticos das mudanças climáticas serão sentidos se a temperatura média aumentar em 2ºC até o final do século. Infelizmente, o cenário atual é o pior possível. Desta forma, ações estratégicas para adaptação são urgentes para amenizar os impactos previstos para várias regiões.
Em relação à intensidade das mudanças climáticas, ainda existem muitas incertezas quanto a seu real impacto para as diferentes regiões brasileiras, dada a sua diversidade climática, biológica, social e econômica. Visto isso, atualmente, tem-se investido na criação de modelos que demonstrem, em escala regional, os efeitos das mudanças climáticas no território brasileiro, em complemento às projeções publicadas pelo 4º Relatório de Avaliação do IPCC – cuja escala é global e, portanto, não permite uma análise acurada da vulnerabilidade e impactos da mudança do clima.
Partindo destes modelos e das diferenças regionais identificadas no Brasil, as regiões Amazônica e Nordeste foram apontadas como as áreas potencialmente mais afetadas pelas alterações climáticas. Esta atribuição deve-se aos aspectos ambientais frágeis destas regiões, além do baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que as torna especialmente vulneráveis e pouco resilientes em relação aos efeitos adversos do clima. Dentre os eventos projetados para estes territórios estão o aumento de secas intensas, afetando diretamente a economia local, e o aumento da disseminação de doenças como a malária e a leishmaniose visceral e tegumentar.
Além disso, projeta-se a intensificação dos fluxos migratórios, principalmente na região Nordeste, onde espera-se que o número de emigrantes aumente, ocasionando a busca por espaço em outras regiões e, consequentemente, possíveis conflitos pelo uso e ocupação do solo.
Não menos crítica é a situação de regiões costeiras e insulares altamente vulneráveis principalmente às alterações na dinâmica marítima, que podem impactar não só comunidades a beira-mar com a destruição da costa, como também implicar um déficit generalizado do estoque de água doce devido à intrusão salina em aquíferos. No entanto, por estas serem consideradas regiões de maior resiliência, menor atenção tem sido dada a tais impactos que, de fato, podem afetar a economia local, ocasionando a redução da qualidade de vida da população.
Apesar da severidade dos cenários apresentados acima, pouco foi feito para promover a adaptação à mudança climática no Brasil. A primeira ação significativa nessa linha será realizada nesse ano de 2011, quando acontecerá a 1ª chamada pública para apresentação de projetos no âmbito do Fundo Nacional sobre Mudanças Climáticas – Fundo Clima. Serão selecionados projetos de adaptação às mudanças climáticas que receberão recursos financeiros a fundo perdido. São cerca de R$ 27 milhões que serão destinados a ações de adaptação como o desenvolvimento tecnológico, o combate à desertificação, a prevenção de desastres e a melhoria da gestão pública.
As políticas públicas vigentes no país poderiam amenizar, significativamente, os impactos climáticos caso fossem de fato aplicadas, visto que o desenvolvimento de um ambiente menos vulnerável depende de ações concretas no saneamento básico, gestão territorial e melhoria na saúde preventiva da população.
Este contexto, somado à criação da Política Nacional sobre Mudança do Clima, instituída pela lei 12.187/2009, que reforça a necessidade de medidas para a adaptação, recoloca em pauta a necessidade de ações para o desenvolvimento básico da população brasileira e aumento da sua qualidade de vida para que, de fato, o Brasil possa enfrentar a mudança climática global.
* Felipe Bittencourt e Fernanda Soares são consultores da WayCarbon (www.waycarbon.com).