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O campo colombiano ganha protagonismo

Da esquerda para a direita: Juan Camilo Restrepo, Josefina Stubbs e Alex Segovia. Foto: Juan Manuel Barrero/IPS

Bogotá, Colômbia, 26/4/2013 – As iniciativas do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) para trabalhar com a população camponesa da Colômbia, na superação da pobreza e melhoria da segurança alimentar, podem ser insumos para o governo, que busca abordar um dos problemas mais adiados deste país.

“O desenvolvimento rural se manteve esquecido na Colômbia durante muito tempo”, disse o ministro de Agricultura e Desenvolvimento Rural, Juan Camilo Restrepo, no seminário organizado, no dia 22, por sua pasta e pelo Fida para compartilhar experiências que entrelaçam a situação do campo e a obtenção da paz neste país que tem 50 anos de conflito armado. “Por isso agora fazemos um grande esforço para dar-lhe um lugar de destaque. Mas, falta muito”, reconheceu Restrepo ao abrir o seminário Desenvolvimento Rural e Construção de Territórios Dinâmicos e Pacíficos.

Dados recentes mostram avanços contra a pobreza, mas também que esta se concentra no campo, onde vive um terço dos 47 milhões de habitantes. Segundo números divulgados no dia 18, pelo Departamento Administrativo Nacional de Estatísticas, enquanto a pobreza total retrocedeu de 40,3% em 2009 para 32,7% no ano passado, nas cidades chegou a 28,4% e em zonas rurais a 46,8%.

“O país requer um intenso trabalho para outorgar à ruralidade a importância que tem, com ou sem acordo de paz”, assegurou o ministro, em referência aos diálogos que acontecem em Havana entre o governo e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias (Farc), nos quais a reforma rural é um ponto medular. “O apoio do Fida e a realização de eventos como este ajudam a qualificar nosso empenho”, destacou Restrepo.

Para Josefina Stubbs, diretora do Fida para a América Latina e o Caribe, “a Colômbia está em um momento crucial, redefinindo os marcos, as políticas e as leis para o desenvolvimento rural”. Por isso, “este evento é muito importante, tanto para o Fida como para outros setores de desenvolvimento aqui presentes”, afirmou à IPS.

A Lei de Vítimas, vigente desde janeiro de 2012, determina a restituição das terras despojadas pelos atores armados a camponeses e outras populações deslocadas pelo conflito. O governo assegura que já distribuiu mais de um milhão de hectares e está à espera de recuperar outro milhão de terrenos baldios para formar um banco de terras. As autoridades estimam que cerca de 200 mil famílias camponesas não têm terra para trabalhar.

Além disso, o texto do projeto de lei Terras e Desenvolvimento Rural, promovido por Restrepo, está em consulta entre comunidades indígenas e camponesas, antes de ser apresentado ao Congresso. Nesse contexto, “reforçar o diálogo com o governo colombiano é transcendental neste momento, porque este país tenta fechar brechas de desigualdade e grandes diferenças entre os setores urbanos e rurais, pensando de novo, e muito seriamente, em processos de desenvolvimento rural que apresentem de maneira efetiva a redução da pobreza”, acrescentou Stubbs.

O Fida tem vasta experiência na matéria. Por meio do Programa Oportunidades Rurais, compartilhado com o governo, “gerou apoios que hoje atendem 20 mil famílias e 400 empresas”, disse à IPS o gerente de Operações para Colômbia e Peru, Roberto Haudry. Este programa “é filho de outro, com o qual o Fida contribui para políticas públicas colombianas: o fortalecimento de mais de mil empresas camponesas e cerca de 120 mil famílias”, acrescentou.

“O país está mudando, já é hora de teorizar menos e pôr as pessoas para trabalhar com outras pessoas, tendo como sócio o Estado. Podemos confiar absolutamente se o poder para a mudança estiver com os pequenos empresários deste país. Camponeses, jovens, setores vulneráveis em atitude produtiva, saindo da pobreza com seus próprios interesses e possibilidades, sem intermediários de nenhum tipo”, enfatizou Haudry.

É isso o que Teófila Betancourt, afrodescendente de Guapi, localidade às margens do Oceano Pacífico, no departamento de Cauca. “Nós trabalhamos há muitos anos para gerar bem-estar com a recuperação de práticas tradicionais, segurança alimentar, territorialidade solidária e direitos humanos, e avançamos bastante”, contou.

Em Guapi funcionam 25 grupos cooperativos com cerca de 15 mulheres cada um. Além de plantar alimentos para consumo próprio, produzem espécies aromáticas e medicinais, doces, artesanato e instrumentos musicais tradicionais. Vendem seus produtos nos mercados locais e preenchem o espaço público que era ocupado por vendedores de outras regiões. Além disso, estas produtoras montaram um restaurante que promove a comida típica costeira, e oferecem hospedagem.

Ao longo da costa do Pacífico há 84 grupos trabalhando nesta linha. “Nisto levamos cerca de 22 anos” e mais recentemente “recebemos apoio do Fida por intermédio da Fundação Acua”, detalhou Betancourt. “Nos apoiam porque sabem o que damos ao território rural em Guapi. E por isso vim aqui hoje. Porque, embora me sinta um pouco fora de contexto, aprendi que é aqui onde podemos saber o que realmente pensa o governo e o que faz”, acrescentou.

Alex Segovia, secretário técnico da Presidência de El Salvador, expôs a experiência de seu país, que em 1992 superou uma guerra civil de 12 anos e hoje tem no governo a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional, a antiga guerrilha que deixou as armas e se dedicou à luta eleitoral. “Esta discussão é muito importante porque o desenvolvimento rural combina com a necessidade urgente de paz”, disse à IPS o diretor do Centro de Estudos em Economia Solidária, Miguel Fajardo, que expôs os êxitos do cooperativismo em três províncias do departamento de Santander, no nordeste colombiano.

“Há sintomas de mudança ligados a justiça rural, restituição de terras e, sem dúvida, o ministro Restrepo apresenta reflexões com temas que praticamente haviam desaparecido há mais de 20 anos”, acrescentou Fajardo. Porém, o sociólogo expressou “incertezas” sobre o avanço da mineração em áreas como a Planície de Santurbán, uma área de especial importância por sua biodiversidade e recursos hídricos, e na região de Vélez, “que foram entregues em concessão a multinacionais, deixando como consequência o empobrecimento da região”.

Restrepo disse à IPS que a “Colômbia iniciou um processo de paz dentro do conflito, o que não é comum, mas ainda dentro do conflito é preciso começar a pensar como seria o pós-conflito em todos os sentidos, especialmente no desenvolvimento rural”. E acrescentou: “recordemos que a paz verdadeira está além da assinatura, quando a engenharia de um país consegue administrar essa paz e aclimatá-la no tempo”. Envolverde/IPS