Setor privado começa a ver mudança climática como fator relevante nas decisões.
Dois relatórios recentes com pesquisas sobre a visão de CEOs, grandes investidores institucionais e gestores de carteiras de fundos institucionais mostram que os dirigentes da indústria e das finanças, na maior parte do mundo, começam a considerar mais seriamente a mudança climática como ameaça/oportunidade concreta.
Um desses relatórios é resultado do trabalho conjunto de três importantes associações de investidores institucionais, reunidos em um grupo de investidores institucionais dedicados a promover estratégias corporativas para mudança climática, o Institutional Investors Group on Climate Change – IIGCC. As três instituições reúnem 230 fundos institucionais de investimentos, com inversões da ordem de US$ 21 trilhões.
O Global Investor survey on Climate Change: annual report on actions and progress 2010, publicado pela IIGCC, entrevistou grandes proprietários de carteiras de investimento e gestores de fundos institucionais. Foram entrevistados 44 grandes proprietários de ações e 46 gestores de fundos institucionais, representando US$ 12 trilhões de investimentos, da União Europeia, Austrália e Nova Zelândia e América do Norte (EUA e Canadá). Algumas de suas conclusões mais importantes foram:
– 98% dos grandes proprietários institucionais de carteiras de ações e 87% dos
gestores institucionais de carteiras de ações vêem questões relativas à mudança climática como risco ou oportunidade materiais em todo seu portfólio de investimentos. Isto é, podem afetar decisivamente seus negócios, para o bem ou para o mal.
– 57% dos proprietários e 80% dos gestores têm diretrizes específicas sobre mudança climática em suas políticas de investimento. Ou seja, estão dispostos a pelo menos dar preferência em seus investimentos a empresas que tenham estratégias claras para mudança climática
a maioria apóia pesquisa em mudança climática e participa de iniciativas para desenvolver políticas específicas, públicas e privadas, sobre mudança climática
– 60% de proprietários de carteiras e gestores participam em 4 ou mais grupos de trabalho e/ou associações da indústria voltadas para esses objetivos
Os resultados também mostram que há diferenças regionais no grau de progresso. Os investidores do EUA estão atrasados em relação aos europeus, neozelandeses e australianos.
No EUA, a falta de uma política climática federal, especialmente com relação a precificação do carbono e políticas para energias renováveis faz com que os investidores dêem maior importância à companhias, particularmente ao aumento da transparência. Dão menos ênfase à integração da mudança climática à determinação do valor das ações ou à atuação para estimular os gestores de investimento a adotarem essas práticas de “valuation”.
Aliás, pesquisa recente com dirigentes do setor elétrico do país mostrou que a maioria considera que a não aprovação de uma política para energia e mudança climática pelo Congresso, constitui um dos maiores problemas ao desenvolvimento do setor.
Na UE, onde a política climática é muito mais exigente e institucionalizada – há um mercado de carbono que fixa seu preço e claros estímulos à energia renovável – há muito maior integração da mudança climática às decisões dos investidores.
Na Austrália, onde também não há sistema institucionalizado de precificação do carbono e o ambiente regulatório é mais incerto, os investidores se esforçam mais na defesa de políticas e na avaliação dos impactos físicos da mudança climática.
O UN Global Compact-Accenture CEO Study: Towards a New Era of Sustainability in the Automotive Industry mostra extraordinário consenso entre os dirigentes do setor automobilístico sobre os riscos da mudança climática para a indústria e a necessidade de ter a sustentabilidade como parte da espinha dorsal de suas estratégias. Entre os entrevistados há vários CEOs brasileiros. Os principais resultados foram:
– 100 % dos CEOs dizem que:
– suas empresas empregarão novas tecnologias para lidar com as questões de sustentabilidade nos próximos 5 anos
– questões de sustentabilidade serão críticas para o sucesso futuro de seu negócio
– 95% dizem que questões de sustentabilidade devem estar plenamente integradas à estratégia e às operações de suas empresas
– 86% dos CEOs
– vêem educação como a principal questão de desenvolvimento global a enfrentar para assegurar o sucesso futuro dos negócios
– acreditam que devem integrar a sustentabilidade a toda a sua cadeia de suprimentos (supply-chain) mas só 57% dizem que suas empresas já promoveram essa integração
– 71% dos CEOs citam “marca”, “credibilidade” e “reputação”como os três fatores principais que os levam a adotar ações de sustentabilidade
– 67% identificam os consumidores como o principal grupo de impacto sobre a maneira como lidam com as expectativas sociais.
Essas respostas mostram que em muitos países a questão da mudança climática é mais percebida como risco e oportunidade para o setor empresarial do que para o setor público. Evidentemente, que a maior parte desse avanço na atitude das empresas no campo ambiental e climático está ainda no plano do discurso, mais do que da prática.
Mas tem havido avanços mais concretos, embora ainda modestos. O crescimento da produção de veículos flex, híbridos e elétricos; o crescimento exponencial da energia de fonte eólica e solar/fotovoltaica em muitos países do mundo desenvolvido e mesmo entre potências emergentes como China e Índia.
O Brasil é o mais atrasado entre os grandes. A política energética segue na contramão, embora tenha aumentado a participação da energia eólica na matriz, mas ainda de forma muito incipiente. Os índices parecem elevados, porque a base é zero.
Conversei recentemente, em São Paulo, com dirigentes de indústrias importantes para a redução das emissões de gases estufa e ouvi defesas que me pareceram bastante sinceras de melhores parcerias público-privadas e da necessidade de regulação eficiente em várias áreas. Também me contaram de iniciativas interessantes de desenvolvimento tecnológico.
Andar, estamos andando, mas a uma velocidade muito aquém do necessário. E nessa caminhada global, o Brasil está ficando atrasado.
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** Publicado originalmente no site Ecopolítica.