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O celeiro agrícola colombiano perde peso e sabor

Uma precária moradia de uma família camponesa empobrecida, nas montanhas de Cajamarca, no departamento colombiano de Tolima. Foto: Helda Martínez/IPS
Uma precária moradia de uma família camponesa empobrecida, nas montanhas de Cajamarca, no departamento colombiano de Tolima. Foto: Helda Martínez/IPS

 

Ibagué, Colômbia, 8/4/2014 – “Isto está cada vez pior”, disse com tristeza no olhar Enrique Muñoz, um camponês de 67 anos de Cajamarca, município do departamento de Tolima, que foi um dos maiores celeiros agrícolas da Colômbia. “Em cinco décadas a situação mudou radical e negativamente”, acrescentou à IPS o ativista Miguel Gordillo sobre o que ocorre em Tolima, cuja capital é Igabué, 195 quilômetros a sudoeste de Bogotá.

“Há 50 anos, Ibagué era uma pequena cidade rodeada por cultivos: enormes áreas de algodão pareciam de longe um imenso lençol branco”, recordou Gordillo, coordenador da não governamental Associação Nacional para a Salvação Agropecuária. “Em Tolima cultivávamos milho, tabaco, soja, sorgo, frutas, e as montanhas que rodeiam Cajamarca estavam cobertas de verdes cafezais, protegidos com laranjas, milho, banana e cercados por aipo”, contou Muñoz.

Com a voz perdida no passado, Muñoz também disse que não faltavam nas propriedades “os porcos, as galinhas, as mulas, as vacas, tudo era muito diferente”. “Ao norte do departamento tínhamos frutas de todas as espécies, e os peixes não cabiam nos rios. Persiste o arroz, um pouco de milho, café, mas até os peixes desapareceram”, contou Gordillo. “Definitivamente, em cinco décadas mudou a imagem de região agrícola, e hoje está cercada por estradas, conjuntos residenciais, postos de combustíveis e por aí um ou outro cultivo”, lamentou.

Em consequência, tudo mudou para Muñoz. “Minha mulher e eu agora vivemos do que nos dão os filhos que trabalham, um em Ibagué e duas em Bogotá. Na propriedade temos uma vaca, com cujo leite fazemos queijo e vendemos, e cultivos de pancoger”, como se chama nestas regiões cafeeiras as plantações básicas da dieta local, acrescentou.

Por isso Muñoz vai participar da Segunda Paralisação Nacional Camponesa, programada para o dia 27 deste mês e que o governo tenta evitar. A primeira foi entre 19 de agosto e 9 de setembro de 2013, e mobilizou plantadores de café, arroz, algodão, cana-de-açúcar, batata e cacau, cobrando do governo de Juan Manuel Santos revisão dos capítulos agrícolas dos tratados de livre comércio (TLC) assinados pelo país, especialmente com os Estados Unidos.

Ao protesto uniram-se mineradores artesanais, transportadores, trabalhadores da saúde, professores e estudantes, com cinco grandes manifestações em Bogotá e mais 30 cidades. A paralisação deixou 12 mortos, 485 feridos e quatro desaparecidos.

A Colômbia tem vigentes mais de 50 TLC, segundo o Ministério de Desenvolvimento Econômico. Entre eles se destacam os estabelecidos com os Estados Unidos, assinado em 2006 e em vigor desde maio de 2012, com a União Europeia, cujo trâmite legislativo terminou em julho de 2013, além de Canadá e Suíça entre os países do Norte industrial. Agora o governo negocia outro com o Japão.

Em 2011, a Colômbia fundou o bloco comercial da Aliança do Pacífico, com Chile, México e Peru, do qual Panamá é observador, enquanto pertence a outros grupos de integração regional anteriores. “Os governos colombianos, que desde a década de 1990 impulsionaram o lema Bem-Vindos ao Futuro, o cumpriram: esse futuro tem sido nefasto em Tolima e em todo o país”, assegurou Gordillo.

Nos últimos quatro anos, os produtores de café protagonizaram paralisações até conseguirem subsídios de US$ 80 por carga de café em um caminhão de grande tonelagem, que antecederam as duas mobilizações nacionais de camponeses. Nesse país de 48,2 milhões de habitantes, o setor agropecuário representa 6,5% do produto interno bruto (PIB), com café, flores, arroz e banana na liderança. Em 2000, o setor representava 14% do PIB e, em 1975, chegava a 20%.

“A agricultura está mal em todas as partes, e Tolima não é exceção”, afirmou à IPS o secretário de Defesa Agropecuária do departamento, Carlos Alberto Cabrera. “O arroz, forte no departamento, não passa por um bom momento. De café, somos o terceiro produtor nacional e aspiramos o primeiro lugar. Algodão tem pouco. De sorgo, somos o segundo produtor do país. A soja acabou, o tabaco também, e muitos produtos ficaram para a segurança alimentar de nossos camponeses”, acrescentou.

Para promover soluções, “convidamos ministros da região, mas sua resposta foi que devemos plantar o que se vende para permanecer no mercado da oferta e procura”, contou Cabrera. Ele rejeitou que no caso de Tolima os responsáveis sejam os TLC. “Não temos sentido nenhum efeito, porque só o que exportamos é café. O arroz é para consumo nacional e o sorgo para a indústria”, assegurou.

Gordillo, no entanto, criticou que, quando os ministros visitam o departamento, “afirmam que os camponeses devem cultivar o que outros países não produzem, o que não podem nos vender. Isto é, insistem em favorecer outros. Se esquecem de que em primeiro lugar deve estar a segurança alimentar de nosso povo, não o contrário”, destacou.

Por essas visões erradas, assegurou Gordillo, “nossos camponeses voltarão à paralisação nacional. Os de Tolima e os de muitas regiões do país, porque o governo não cumpre o acordo, e tanta pobreza os obriga a abrir os olhos”. O governo afirma que cumpriu 70 dos 183 compromissos assumidos com os agricultores em razão da paralisação do ano passado.

Na ocasião, foram cobradas soluções para a crise agropecuária, que iam da posse da terra ao investimento social na área rural e à proteção perante outros setores em auge, como a grande mineração e o petróleo, até um subsídio aos combustíveis de uso agrário. O governo assegura que incluiu US$ 500 milhões para apoiar a agropecuária no orçamento de 2014.

Enquanto isso, o Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural aumentou nas últimas semanas a campanha sobre sua gestão, e o presidente Santos insiste em afirmar nos atos públicos que “não se justifica uma nova paralisação camponesa”.

As autoridades também promovem diálogos com o setor para desenvolver um Grande Pacto Nacional Camponês, como parte dos esforços para desativar a paralisação convocada para menos de um mês antes das eleições presidenciais de 25 de maio, nas quais Santos disputará a reeleição.

Na Cúpula Agrária, Camponesa, Étnica e Popular, entre 15 e 17 de março, os participantes fixaram oito eixos para um diálogo, que incluem a reforma agrária, o acesso à terra, o estabelecimento de zonas de reserva camponesa, a consulta prévia e proteção diante dos TLC, restrições à mineração e ao petróleo, e um plano de choque em infraestrutura.

As sementes, outras vítimas do TLC

Miguel Gordillo, acrescentou outro problema causado pelos acordos de livre comércio: as sementes. O governamental Instituto Colombiano Agropecuário (ICA) proibiu, em 2010, que os camponeses armazenassem sementes próprias colhidas para serem plantadas no futuro, recordou o especialista.

Em sua Resolução 970, o ICA estabelece que só podem ser usadas sementes certificadas, produzidas por empresas transnacionais de biotecnologia como Monsanto, Syngenta e DuPont, líderes mundiais em transgênicos.

A medida “desconhece uma tradição de séculos, desde os indígenas, que escolhiam sempre as melhores sementes para reproduzi-las vegetativamente. Hoje, nas sementes, nos adubos, nos agroquímicos, estamos à mercê do mercado internacional”, ressaltou Gordillo. Envolverde/IPS