Quando o viajante sobrevoa o Centro Oeste brasileiro e olha para baixo, vê um mosaico de poligonais demarcando plantações de soja ou de outras monoculturas. Com certo esforço, consegue visualizar minguados filetes de mata ciliar que emolduram margens de rios e córregos, a maioria deles assoreados e poluídos. Acostumado a percorrer a mesma rota, é provável que a extinção da vegetação nativa não lhe cause grande — talvez, nenhum — impacto. Por uma razão muito simples: poucos estariam aptos a comparar o cenário visto hoje, por meio de uma janelinha de avião, com aquele de décadas atrás. O hipotético passageiro deste artigo sofre de um mal comum a todos nós, que o cientista Jared Diamond, Prêmio Pulitzer 1998, conceitua de “amnésia de paisagem” em seu instigante livro Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso (Record, 2006).
A “amnésia de paisagem”, segundo o escritor norte-americano, é um dos fenômenos, entre 12 classificados por ele, que ajudam a explicar porque alguns povos não conseguiram evitar o colapso de suas civilizações, provocado por desequilíbrios ambientais, apesar dos sinais cada vez mais evidentes nesse sentido. A expressão criada pelo biofísico e biogeógrafo significa “esquecer-se de quão diferente era a paisagem há 50 anos devido às mudanças graduais ano a ano”. Àqueles que defendem a redução das áreas de preservação permanente que protegem a bacia fluvial do país, previstas no Código Florestal, um alerta: o fator desencadeante dos colapsos estudados pelo autor foi a extinção da vegetação nativa.
O conceito da “amnésia de paisagem” permite entender porque ministros são levados a anunciar, em tom comemorativo, a redução do ritmo de desmatamento na Amazônia em relação a algum período imediatamente anterior, mesmo que isto tenha significado a destruição de milhares de quilômetros quadrados de florestas.
O alerta feito pelo pesquisador é globalizado e não poupa o próprio país. Um dos relatos mais dramáticos de sua obra, porém, refere-se ao colapso ocorrido na Ilha de Páscoa. Os desequilíbrios causados pela derrubada da mata nativa tornaram-na estéril. Em meio a sangrenta disputa interna, a escassez de alimentos levou os nativos a comerem ratos e até restos de cadáveres humanos. As árvores foram sendo ceifadas uma a uma ao longo de anos. Os ancestrais dos atuais pascoenses não deram a mínima importância ao corte da última palmeira do território, porque a imagem das florestas já havia sido apagada, lenta e gradualmente, através dos séculos, da memória das testemunhas da derradeira machadada. Ironicamente, as “místicas” e gigantescas estátuas que tanta admiração causam aos turistas do mundo inteiro, os moais, erguidos pelos chefes de clãs, são tão somente vestígios trágicos de uma era de decadência e atrocidades.
Jared Diamond, contudo, não é derrotista, como indica o subtítulo de seu livro. Impedir a extinção de florestas não é um sonho impossível. Depende de vontade política, exemplo dado pelos japoneses, assustados com os índices do desmatamento que atingiu um quarto do território já na primeira metade do Século 16. Sob as ordens dos xoguns, os japoneses reorientaram até seu padrão de consumo, com maior inclusão de frutos do mar, por exemplo, com a finalidade de diminuir a pressão da agricultura sobre a vegetação nativa. Administradores fizeram minuciosos inventários das florestas, a fim de garantir pleno controle de seu uso. “A mudança veio de cima, liderada por sucessivos xoguns, que invocaram princípios de Confúcio para promulgar uma ideologia oficial que encorajava limitar o consumo e acumular reservas de modo a proteger o país contra o desastre”, assinala o autor.
Séculos se passaram e os japoneses não se esqueceram da lição. Desde há algumas décadas, tornaram-se grandes financistas de projetos agrícolas nos países do Terceiro Mundo com vasta extensão territorial. O objetivo foi o de apenas proteger suas preciosas florestas. Ou seja, o Japão solucionou parcialmente seus problemas de escassez de recursos naturais provocando escassez de recursos naturais em outros pontos do planeta, estratégia adotada por vários países desenvolvidos. Enquanto isso, o Brasil tem agido como aluno míope, incapaz de aprender o beabá da cartilha ambiental.
* Publicado originalmente no jornal Correio Braziliense e retirado do site Amazônia.org.br.