O companheiro FMI, quem diria...

A zona do euro foi com sede ao pote do G-20, munida da euforia despertada pelo acordo em torno do montante e da função do Fundo de Estabilidade, da redução da dívida grega e da recapitalização dos bancos europeus.

A imagem não podia ser mais acachapante: quando os líderes europeus, Ângela Merkel e Nicolas Sarkozy à frente, passaram pela plateia sacudindo a latinha de moedas, esperando captar mais din-din, ninguém pingou… A imagem não é minha, pertence a Larry Eliot, do The Guardian (G-20 was a lesson in disunity and the markets passed judgement, 4/11). Mas descreve bem a situação.

Quando a latinha passou, os chineses olharam para cima, para baixo, para os lados, fizeram que não era com eles. Claro: os chineses jamais negociariam na moldura de um fórum multilateral como o G-20. Com todos os seus problemas, eles estão com a faca (a moeda controlada) e o queijo (as reservas trilionárias) na mão. Obama manifestou “simpatia”. Caramba! Menos que isso, só se pedisse que os pedintes se afastassem porque estavam atrapalhando a paisagem.

Acho que de todos, só a presidenta Dilma foi meridianamente clara. Disse que pingaria sim, mas… Somente por intermédio do FMI! Quem diria, o agora companheiro FMI! Por quê? Porque, disse Dilma, o FMI dá garantias sobre como o dinheiro vai ser utilizado. Não foi um tapa com luva de pelica. Foi sem luva nenhuma. Claro: pode ter sido um mero tapa nas costas, daqueles que procura fazer o pobre diabo que tosse desengasgar. Quem sabe… Mas duvido. A pílula rece(depre)ssiva como terapia está demasiadamente entranhada no DNA do Consenso de Bruxelas.

Dilma tem razão. A zona do euro foi com sede ao pote do G-20, munida da euforia despertada pelo acordo em torno do montante e da função do Fundo de Estabilidade, da redução da dívida grega e da recapitalização dos bancos europeus. Bastou o primeiro ministro grego, Georges Papandreou, acenar com uma superdose de democracia, um referendo para aceitar ou não o programa de austeridade e a permanência na zona do euro, para a euforia revelar-se uma bolha efêmera e tudo voltar não à estaca zero, mas a menos um: a Itália entrou na dança também, e esperemos que desta vez, pelo menos, Berlusconi dance de fato.

Mas toda a correria até agora despertada se refere mais a socorrer os bancos do que a população e a economia. O programa europeu é claramente recessivo, e isso não interessa nem à China nem ao Brasil nem a ninguém mais. O dinheiro, que sai do “bolso do contribuinte” (essa imagem a direita gosta), apenas passa pela contabilidade dos países em insolvência e vai parar – em torno de 80% a 90 % – na dos bancos credores, que se tornaram devedores em relação a seus créditos (!), porque, se os devedores não pagarem, eles não terão cash para honrar os saques que virão aos montes. Essa é a situação real.

Por que a presidente Dilma foi tão clara onde outros tergiversaram? Devido a seu temperamento? Pode ser. Mas também devido ao fato de que o Brasil age de modo diametralmente oposto ao da China, embora possa ter interesses em comum. O Brasil, que não é potência militar (graças a Deus!) nem monetária, se interessa em negociar na moldura de fóruns multilaterais. Esta é a aposta brasileira, e está certa.

* Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

** Publicado originalmente no site Agência Carta Maior.