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O conflito étnico da Birmânia chega à Malásia

Guardas fronteiriços de Bangladesh negam a entrada a refugiados rohingya da Birmânia, em novembro de 2012. Foto: Anurup Titu/IPS
Guardas fronteiriços de Bangladesh negam a entrada a refugiados rohingya da Birmânia, em novembro de 2012. Foto: Anurup Titu/IPS

Cidade de Singapura, Singapura, 24/2/2014 – Dois políticos budistas da Birmânia que visitavam a Malásia escaparam por pouco de morrer, quando dispararam contra eles em um centro comercial de Kuala Lumpur, este mês. O incidente faz temer que a violência étnica que afeta sua região natal nos últimos anos tenha se propagado para o território malaio. Aye Maung e Aye Thar Aung, as vítimas, são dirigentes do Partido Nacional de Arakán (PNA), que representa a maioria budista em Rajine, um Estado da Birmânia, antes conhecido como Arakán durante a colonização britânica.

Homens armados em uma motocicleta dispararam várias vezes contra o veículo que transportava os dois dirigentes e seus acompanhantes em uma área comercial muito concorrida da capital da Malásia, no dia 7, mas ninguém se feriu, segundo testemunhas oculares. Os dirigentes da etnia budista rajini retornaram à Birmânia no dia seguinte.

Aye Maung afirmou em uma entrevista coletiva que se tratou de um atentado terrorista. “Creio firmemente que o ataque foi uma tentativa de assassinato planejada”, destacou. “Nossos conflitos internos já chegaram ao exterior, e podemos concluir com firmeza, após este incidente, que os terroristas estão bem estabelecidos em países estrangeiros, especialmente na Malásia”, acrescentou.

Entretanto, grupos muçulmanos da Malásia afirmam que o PNA organizou o incidente para ganhar a simpatia dos budistas na Birmânia, antes das eleições gerais nesse país em 2015. O Estado de Rajine foi testemunha de vários episódios de violência, desde 2012, entre budistas muçulmanos rohingya, com saldo de dezenas de mortos e refugiados. Muitas das vítimas pertencem à minoria muçulmana rohingya, catalogada pela maioria budista da Birmânia como um coletivo de imigrantes ilegais procedentes de Bangladesh.

Milhares de rohingya fugiram para a Malásia, de maioria muçulmana, onde, acredita-se, vivem cerca de 250 mil birmaneses, tanto budistas como muçulmanos, muitos deles com trabalhos precários nos setores da restauração e construção. A polícia malaia atribuiu o tiroteio a imigrantes birmaneses.

Entretanto, o analista político malaio Chandra Muzaffar, diretor do Movimento Internacional por um Mundo Justo (Just), afirmou que muitos muçulmanos da região não concordam com o tratamento que os rohingya recebem na Birmânia. “Alguns grupos devem estar reagindo diante de certas percepções destes políticos”, ponderou o analista à IPS, de Kuala Lumpur. “A polícia precisa investigar a fundo para saber quem estava por trás disso”, ressaltou.

O chefe de investigações de Kuala Lumpur, Khairi Ahrasa, declarou que foi criada uma equipe especial, liderada por ele mesmo, para investigar o caso, “que tem elementos de participação política”. Ahrasa disse também que se investiga se o assassinato no dia seguinte nesta capital de um cidadão birmanês, Ko Aung Gyi, tem alguma relação com o tiroteio.

A vítima, do grupo Estudantes Geração de 88 e originário de Rajine, foi assassinada pouco depois de sua reunião com a delegação budista. O ex-líder estudantil e ativista político vivia na Malásia com sua família há vários anos. Segundo sua mulher, Ma Su Su Myint, foi morto quando o convocaram para discutir um assunto de negócios.

No último ano, houve uma série de assassinatos dentro da comunidade de imigrantes birmaneses na Malásia. Em maio de 2013, a violência na comunidade birmanesa em Kuala Lumpur deixou pelo menos dois mortos, e foi vinculada à situação em Rajine.

No começo deste mês, a polícia da Indonésia deteve quatro homens e os condenou pela tentativa de colocar uma bomba na embaixada birmanesa em Jacarta. O autor intelectual do complô disse que os conspiradores pretendiam vingar as mortes de seus irmãos muçulmanos na Birmânia.

O movimento Just se preocupa com a escalada da tensão étnica na região e, por isso, organizou em novembro um diálogo ecumênico em Kuala Lumpur, com participação de budistas procedentes de toda a Ásia e muçulmanos da Indonésia e da Malásia. “Instalamos uma comissão de investigação com budistas, muçulmanos e pessoas sem crenças religiosas para examinar a questão, determinar o que realmente está ocorrendo e oferecer algumas sugestões”, explicou Muzaffar.

Os seis dirigentes do PNA que visitavam a Malásia quando dois deles foram atacados são o núcleo diretor budista em Rajine. Estavam na Malásia para se reunir com exilados birmaneses budistas, arrecadar fundos e conseguir apoio para suas campanhas políticas. Também se soube que durante sua permanência em Kuala Lumpur participaram de um debate sobre “A reforma na Birmânia e a política arakanesa”, segundo o blog do exilado birmanês Hla Oo, que diz que os muçulmanos rohingya “odeiam amargamente” Aye Maung, o chefe da missão raji.

O Partido pelo Desenvolvimento das Nacionalidades de Rajine e a Liga Arakanesa pela Democracia deixaram de ser rivais ao se fundirem no PNA, em outubro de 2013, o que converteu a organização em uma grande força no Estado, com vistas às eleições gerais birmanesas de 2015. O novo partido pediu sua inscrição oficial à Comissão Eleitoral da União da Birmânia em 15 de outubro de 2013, mas só a obteve no mês passado.

Muzaffar acredita que o regime da Birmânia não faz o suficiente para deter a violência no Estado e que o exército pode estar usando o nacionalismo budista para perpetuar o regime militar além das eleições de 2015.

Sobre a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), da qual a Birmânia faz parte, Muzaffar disse que “outros órgãos da Asean nada podem fazer para deter a violência, mas podem iniciar um diálogo sob sua carta de 2007”. E acrescentou que “a comunidade internacional também poderia ajudar, mas o problema é que todos esperam obter um bom pedaço do bolo da Birmânia e os governos ocidentais não querem inimizade com o governo”. Envolverde/IPS