por Samyra Crespo, especial para a Eco21 –
Como prometido, volto ao filme Planet of the Humans e à controvérsia que vem gerando intra e extramuros do ambientalismo mundial.
Podemos chamar Michael Moore e Jeff Gibbs, os realizadores, de tudo: radicais, sensacionalistas, mas não é possível dizer que são anti-ambientalistas. Afinal, espremendo, todas as “evidências” que o filme junta para mostrar como o velho e resiliente Capitalismo “engoliu” boas intenções, novas e promissoras tecnologias, e vomitou monstros – não são nada triviais. E não estariam estes velhos rapazes pregando, afinal, contra o establishment?
É totalmente equivocada a atitude de tentar banir o filme ou ainda achar que longas notas magoadas, por parte dos atacados – como o fez Bill Mckebben – vão diluir os argumentos do filme em água.
Não vão.
É preciso refutar suas teses, ou acusações e ir ao âmago das questoes postas, e de modo bem convincente.
Independente de classificarmos os filmes de Moore como “sensacionalistas” (sim, eles são) ele joga duas bolas que é preciso defender ou refutar. Uma é de natureza política, e outra essencialmente técnico-científica.
A primeira diz respeito ao embate (ele existe?) entre Capitalismo versus Ambientalismo e a outra se as tecnologias de produção de energia renovável são realmente “limpas” e causam menos danos ao ambiente do que aquela gerada com base nos combustíveis fósseis. E, neste último caso, quão limpo e menos intenso no uso de energia e materiais, é o processo de produção dos equipamentos utilizados para gerar energia eólica ou solar. E ainda tem o imbróglio da biomassa.
Afinal, não é o “balanço energético” e a menor emissão dos gases do efeito estufa que deveriam definir a parada?
As duas bolas, bastante indigestas, merecem um tratamento didático e estes textos aqui são destinados a leigos e militantes comuns, não vou entrar em demasia na seara dos especialistas em cada modalidade de energia.
Por isso, vou começar com a discussão política no texto de hoje, deixando o tema das energias limpas – e as possíveis ilusões que estamos comprando – para uma terceira parte que publicarei amanhã.
Sinceramente, a discussão sobre se o ambientalismo reforça ou não o capitalismo industrial em sua fase avançada ou tecnológica é cansativa e até certo ponto estéril.
Se olharmos para o movimento ambientalista das últimas três décadas, veremos que a tendência que ganhou hegemonia foi exatamente a que buscou posicionar a “economia verde” no coração do Capitalismo. Com a ajuda do aparato da ONU, com as Conferências de 1992 e 2012, tudo o que se quis foi que a questão ambiental saísse das margens e fosse para o mainstream. De propósito deixei de fora a Conferência de 2002 em Joanesburgo. Tendo como tema central a pobreza, foi o último grito, a última tentativa de resistir ao roldão. É uma conferência esquecida.
Se tomarmos o documento do PNUMA de 2011, então um programa e não uma Agência como hoje – preparatório à Rio + 20 – veremos ali uma estratégia de transformar 10 setores intensivos em usos de energia e materiais em “mais verdes”. A questão da energia torna-se chave e o mantra das limpas vira dogma.
Em outras palavras, todo o esforço das últimas três décadas tem sido o de “seduzir” o establishment e não combatê-lo. People, Planet and Profit.
Vejam como meio ambiente também dá dinheiro.
Assim, é engenhoso, mas nada honesto usar megafones ampliados – como o filme e as mídias sociais – para “denunciar” que nossos melhores líderes ambientalistas viraram executivos capitalistas.
Aqui mesmo, na série que escrevi de pequenos artigos para a Agência Envolverde, já debati com energia (sem intenção do trocadilho) a falsa ideia de que o ambientalismo é uma ideologia de esquerda ou afiliada ao marxismo.
Nunca foi. Nasceu na contracultura, na desobediência civil de Thoreau, na ciência e na técnica da conservação florestal estadunidense, na luta antinuclear, nas filosofias da natureza e nas concepções holísticas de como funcionam as coisas.
Assim, essa apropriação capitalista do ambientalismo denunciada pelo filme nada mais é do que a Vitória do que se buscou: ser mainstream e não marginal.
E para finalizar esta refutação sobre a política, engana-se quem vê o ambientalismo apenas neste viés hegemônico capitalista. Que foi deliberadamente buscado, repito.
Existem ainda forças disruptivas e revolucionárias em outras tendências do ambientalismo, que respiram em grupos menores e mais dispersos. Elas vivem em mosteiros budistas, em comunidades alternativas, em pedagogias ensinadas nas escolas, em livros inspiradores, em projetos que buscam experimentar o “novo”.
Elas se expressam com dificuldade. A Carta da Terra, elaborada como documento alternativo à Declaração do Rio (1992), e a ética do cuidado (leia Leonardo Boff, Vandana Shiva e Fritjop Capra), não voam voo pleno no momento.
Mas, quem sabe?
Amanhã tratarei da ‘ilusão’, alegada pelo filme, de que estamos comprando gato por lebre, quando defendemos a universalização das energias limpas, especificamente a solar e eólica.
E a pimenta da torta, a discussão sobre overpopulation (superpopulação).
Amanhã.
* Para a conversa ficar mais produtiva, recomendo que vejam o filme.
Eu vi no Youtube, a full version, legendada em inglês.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.
(Este texto faz parte de uma série que escrevo, sobre o ambientalismo, para Revista on line ECO 21).