Nova York, Estados Unidos, 10/3/2015 – Os dados mais recentes mostram um panorama preocupante na América Latina e no Caribe. O nível de redução de pobreza por meio da renda está paralisado e pela primeira vez nesta década observa-se um aumento no número de pobres, segundo dados do Panorama Social da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Isso significa que três milhões de latino-americanos recaíram na pobreza entre 2013 e 2014. Devido ao crescimento econômico de 1,3% estimado pelo Fundo Monetário Internacional para a região, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) prevê que mais de 1,5 milhão de pessoas também terão caído na pobreza ao término deste ano.
Essa população poderia sair dos quase 200 milhões de pessoas vulneráveis da região, aquelas que nem são pobres, porque vivem com menos de US$ 4 por dia, e as que nem ascenderam à classe média e vivem com US$ 10 a US$ 15 ao dia. Sua renda está acima da linha de pobreza, mas ainda são muito propensos a cair nela apenas ocorra uma crise econômica de magnitude, como demonstrou outro estudo recente do Pnud.
Nossa análise mostra um padrão claro. O que determina que as pessoas “saiam da pobreza”, ou seja a educação de qualidade e o emprego, difere do que “evita seu retorno” à mesma, que seria a existência de redes de proteção social e recursos no lar.
Essa brecha sugere que, por si só, um maior crescimento econômico não é suficiente para construir a “resiliência”, ou capacidade de absorver choques externos como as crises financeiras ou os desastres naturais, sem maiores perdas socioeconômicas. Temos que investir nas habilidades e nos recursos dos pobres e vulneráveis, tarefas que podem demorar anos e, em muitos casos, toda uma geração.
No Pnud simulamos o que aconteceria se a região crescesse no período de 2017 a 2020 no mesmo ritmo de 3,9% anual dos últimos dez anos. Nossas estimativas mostram que um número menor de pessoas na América Latina e no Caribe poderão abandonar a pobreza em relação à década anterior.
Enquanto uma média de 6,5 milhões de mulheres e homens na região saíram da pobreza anualmente entre 2003 e 2012, apenas cerca de 2,6 milhões o farão, ou seja, passarão a ganhar mais de US$ 4 por dia, por ano, entre 2017 e 2020.
Claramente, “mais do mesmo” em termos de crescimento e de políticas públicas já não renderá “mais do mesmo” na redução da pobreza e da desigualdade, segundo nossa análise, o que se explica por dois motivos. As fontes fáceis de aumento salarial estão diminuindo e os recursos fiscais, que são cruciais para ampliar as redes de segurança social, diminuíram.
Restam, pela frente, desafios mais difíceis, como enfrentar a exclusão, a discriminação e as desigualdades históricas que não se explicam exclusivamente pela renda.
Fundamentalmente, o progresso é um conceito multidimensional que não pode se refletir de maneira simples na ideia de viver com menos ou mais de US$ 4 a US$ 10 por dia. O bem-estar implica mais do que renda, e não um padrão consumista do que implica a “boa vida”.
Esses são elementos centrais para nosso próximo Informe sobre Desenvolvimento Humano para a América Latina e o Caribe, que está em processo de redação.
O informe também incluirá recomendações de políticas que ajudem as autoridades encarregadas de tomar as decisões a serem aplicadas por um programa que não dê atenção apenas à recuperação do crescimento e ao ajuste estrutural, mas que também redefina o que é progresso, desenvolvimento e mudança social em uma região de enormes desigualdades e classes médias emergentes e vulneráveis. Envolverde/IPS
* Jessica Faieta é subsecretária-geral da ONU e diretora regional do Pnud para a América Latina e o Caribe.