Ciça Lessa é mãe de Matias e Tomás, hoje com 12 e 10 anos. Jornalista, ela foi editora da revista Capricho, entre outros trabalhos na mídia. Hoje se dedica à promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes na área de comunicação da Rede ANDI Brasil. Entre esses direitos estão a regulação da publicidade, a classificação indicativa de filmes e programas de TV e a educação para a mídia.
“Com tantas pressões para o consumo é um grande desafio passar valores para os filhos”, observa Ciça. Mas, tranqüila e pacientemente ela desenvolveu uma estratégia de educação para o consumo e tem conseguido vencer essa luta. Aqui, ela conta sua experiência.
Como você faz para driblar as pressões para o consumo?
Quando meus filhos eram pequenos, meu marido e eu fizemos votos de não comprar camisetas, mochilas, toalhas com personagens. Deu trabalho, mas conseguimos. Como alternativa oferecíamos camisetas coloridas, bonitas. Criança gosta de cor! E quando, em alguns momentos, as crianças desenvolviam uma paixão por um personagem, por alguma identificação – aí a gente cedia. O importante é não haver uma adesão automática ao consumo, não ficar o tempo inteiro se associando a isso. E não precisa brigar, até porque as brigas podem causar o efeito contrário.
Um modo de evitar conflitos, para algumas mães, é não levar as crianças ao supermercado. Mas isso nem sempre é possível. Como foi a sua experiência?
Eu trabalhava fora, então aproveitava para fazer tudo com eles, inclusive supermercado. Quando tinham quatro ou cinco anos comecei a ensinar a olhar preço – o mais barato, o mais caro. Perguntava: ‘mas será que esse não é mais caro por causa do personagem?’ Explicava: ‘a mamãe compra esse porque é mais nutritivo’; ‘não podemos levar tudo, temos de escolher’. Passava critérios. As compras demoravam um pouco mais, mas assim fui desenvolvendo uma educação para o consumo. Com sete anos todos sabiam olhar a data de validade dos produtos.
A escola gerou muitas pressões?
Sempre tinha aquela marca de tênis que todos estavam usando, aquele tênis norte-americano que o amigo ganhou da tia. Eu tentava contrabalançar, ensiná-los a dar valor para as coisas: ‘presente é muito legal, significa o afeto, a lembrança que a pessoa teve de você – não só porque o tênis é norte-americano’.
E com os alimentos, como você fazia?
Refrigerante, por exemplo, a gente não comprava. Em casa, eles tomavam suco e água nas refeições. A ideia não era eliminar, mas adiar o consumo de refrigerante. Quando eles experimentaram, nas festinhas, não gostaram. Até hoje não tomam. Tem de ter paciência, oferecer outros sabores, outras opções. E não fazer uma guerra. Vale a pena ter esse trabalho, buscar uma posição de equilíbrio.
Você se preocupou em dar educação ambiental?
Eles aprendem isso na escola, reciclar, reutilizar. Mas também incorporo essas práticas na rotina da casa – e aí elas ganham sentido de fato, para eles. Somos uma família absolutamente normal, não sou uma pessoa alternativa. São valores que a gente vai construindo juntos, com um pouco de paciência e criatividade. O objetivo é evitar uma adesão naturalizada ao consumismo, porque, se não, quando você vê entrou numa roda viva.
Outra coisa é freqüentar lugares públicos. Desde pequenos vamos à biblioteca escolher livros. É bom eles perceberem que não é preciso comprar tudo. E também aprender a cuidar daquilo que é de todos. Há aqueles livros preferidos, que a gente gosta de guardar. Mas muitos outros são doados, emprestados. É bom partilhar com os amigos um livro de que a gente gostou.
E a televisão, como lida com ela?
Quando surgiu a questão da classificação indicativa, eles logo perceberam que o assunto me interessava e começaram a apontar, eles próprios: ‘esse programa não é pra mim’. Viam TV uma ou duas horas de manhã e um pouco depois da escola. Tinham outras atividades, brincavam no quintal. Nunca fui muito rigorosa, a não ser com programas inadequados para a idade deles, de violência e sexo.
Acompanhar o que eles assistem é interessante, a programação oferece oportunidade de ter conversas importantes. Por exemplo, a questão da homossexualidade, que considero muito relevante para meninos prestes a entrar na adolescência e que sofrem muita pressão, muito preconceito. Assim, posso ajudá-los a se tornarem pessoas que respeitam a diversidade.
Quanto à publicidade, procuro fazê-los pensar. Se querem comprar uma coisa, pergunto: ‘mas não é melhor investir naquela outra, que vai durar mais?’ Desenvolvi a estratégia de seguir um princípio, desde que eram pequenos: insistir na não adesão automática ao consumo, e assim ir construindo opções baseadas em critérios e valores pessoais.
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* Publicado originalmente pelo Instituto Alana e retirado do site Mercado Ético.