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O difícil quebra-cabeça da governabilidade em Honduras

Xiomara Castro faz o sinal da vitória, cercada por simpatizantes, durante a marcha contra uma alegada fraude eleitoral, no dia 1º, em Tegucigalpa. Foto: Thelma Mejía/IPS
Xiomara Castro faz o sinal da vitória, cercada por simpatizantes, durante a marcha contra uma alegada fraude eleitoral, no dia 1º, em Tegucigalpa. Foto: Thelma Mejía/IPS

 

Tegucigalpa, Honduras, 4/12/2013 – As eleições convocadas para costurar o tecido da governabilidade em Honduras não cumpriram essa função e o país agora se vê com uma Presidência com 38,7% de apoio eleitoral, com denúncias de fraude e um parlamento multicolorido, no qual o partido governante estará em minoria. “Esse Juan Orlando (Hernández) não terá vida fácil, se houver um governo complicado, terá que negociar”, disse à IPS o universitário Juan Sánchez, se referindo ao candidato do governante e direitista Partido Nacional (PN), que o Supremo Tribunal Eleitoral (STE) proclamou vencedor das eleições de 24 de novembro.

Sánchez observava, sem participar, os milhares de manifestantes que percorreram, no dia 1º, as ruas de Tegucigalpa para protestar por uma alegada fraude, convocados pelo esquerdista Partido Liberdade e Refundação (Libre), a cuja candidata, Xiomara Castro, de 58 anos, o STE atribuiu 28,7% dos votos. “Não sei se houve fraude, não estou certo disso, mas sei que o PN terá um governo duro para as pessoas, e que é bom não ter maioria no congresso, talvez as forças se equilibrem”, opinou Sánchez, que procura trabalho há um ano e sobrevive com a venda comissionada de cosméticos.

Como aquecimento para 27 de janeiro, quando Hernández assumir o cargo, os simpatizantes de Castro e de seu marido e coordenador do Libre, Manuel Zelaya, o presidente deposto em 2009, percorreram parte da capital pedindo a recontagem dos votos pela falta de consistência em algumas atas eleitorais. Castro, Zelaya e seus seguidores foram até o local de contagem dos votos, acompanhados por uma caminhonete sobre a qual estava o caixão de José Antonio Ardón, responsável pela frota de motociclistas que encabeçavam as caravanas do Libre, assassinado um dia antes.

Os dirigentes do Libre afirmaram que sua morte teve motivações políticas, mas não têm provas, enquanto as autoridades investigam o assassinato cometido em um dos bairros mais inseguros de Tegucigalpa, que apresenta a criminalidade mais elevada do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

“Montaram uma fraude, nos aplicaram um golpe técnico e democrático, mas essa luta não termina, sou a presidente eleita de Honduras e essa demonstração de hoje é uma clara mensagem para os que se prestaram à fraude”, declarou Castro em seu discurso. O ex-presidente Zelaya falou da apresentação de impugnações. Mas também disse que “é nas ruas onde se gestam processos revolucionários pacíficos, logo os tiraremos e tomaremos o poder político da nação”.

As autoridades do STE disseram que estão abertas a qualquer revisão de atas que o Libre solicitar, mas adiantaram que isso não influirá no resultado da eleição. Waleska Zavala, outra estudante universitária e uma das manifestantes, acredita que “houve coisas ruins nas eleições, nos roubaram a eleição, mas o fizeram com luvas de seda e será difícil provar”. Para ela, o “Libre agora deve se preparar para fazer oposição, porque uma coisa posso garantir, esse povo mudou, e, com ele, nós os jovens”, argumentou à IPS enquanto enrolava no corpo uma bandeira de seu partido.

Essa mudança, segundo o motorista de uma empresa privada, Aquiles Uclés, deve contemplar inclusão e projeção social. “Se o novo governo que ainda não começou quiser mudar as coisas, deverá cumprir o que prometeu, que é emprego e segurança, deve governar para todos, não apenas para os endinheirados”, disse à IPS. O analista político Miguel Cálix considera que a governabilidade para Hernández não será tão complicada porque “ele já sabia o que viria e começou a ensaiar as alianças desde a presidência do Congresso, onde tomou decisões transcendentais com o consenso das bancadas, mesmo elas tendo a maioria parlamentar”.

Hernández, de 45 anos, foi até junho presidente do Congresso, quando passou a se dedicar à campanha. “É um político esperto, hábil e, até onde sei, já está em negociações para ter maioria no congresso. No Executivo seu mandato será sólido e haverá reformas e muita projeção social”, disse Cálix à IPS. Uma das novidades da jornada eleitoral é que o Libre passou a ser a segunda força política, desbancando em sua estreia nas urnas o Partido Liberal (PL), de direita moderada, que junto com o PN governou Honduras em todos os mandatos surgidos das urnas, na última vez com Zelaya (2006-2009).

Outra opinião tem o especialista em assuntos eleitorais Adán Palacios, para quem a busca por alianças deverá ser permanente. “Estamos diante da conjuntura de impulsionar reformas eleitorais que incluam a figura do segundo turno, algo que não deve mais ser adiado”, agora que Honduras passou de seu bipartidarismo tradicional para um mapa político mais multicor, afirmou à IPS. Palacios disse que cada vez mais a figura do poder “parece inclinar-se para o Congresso, não tanto para o Executivo, como era a tradição, e com esse Congresso atípico de muitas forças, onde o PN não será maioria, será preciso experimentar outros cenários de maior governabilidade, como o segundo turno nas eleições”.

Para a socióloga Mirna Flores, um segundo turno é muito caro para um país pobre como Honduras. “Teoricamente é viável. O problema da governabilidade aqui passa por políticas de Estado mais sustentáveis, por respostas reais aos problemas estruturais”, como pobreza, saúde, educação, desigualdade, emprego e insegurança, apontou à IPS.

Os 3,3 milhões de hondurenhos que foram às urnas, de um padrão eleitoral de 5,3 milhões, decidiram que o Congresso de 128 membros e unicameral, que começará a legislatura em 25 de janeiro, contará com 48 deputados do PN, 39 do Libre, 25 do PL, 13 do centro-direitista Partido Anticorrupção, e mais três para iguais grupos minoritários, segundo os números provisórios. Este cenário é muito diferente do que teve o presidente atual, Porfirio Lobo, que contou com 71 deputados, maioria qualificada suficiente para reformar a Constituição e introduzir as figuras do referendo e do plebiscito, bem como o julgamento político para destituir os poderes públicos.

Essas reformas buscaram atender algumas demandas populares após a crise institucional surgida com a derrubada de Zelaya e também por requerimentos da comunidade internacional para reconhecer o governo de Lobo, após a vitória há quatro anos, dentro de um trabalhoso processo de estabilização que deveria ser coroado nessas eleições.

Hernández, desde a presidência do Congresso, foi fundamental para conseguir apoios para as reformas que exigiram 81 votos legislativos e também alcançou amplos consensos para destituir a Sala Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça e renovar as cabeças da promotoria, da procuradoria e de outras instâncias que agora o PN controla. Envolverde/IPS