“A criação geme em dores de parto” (Rm 8,22).
A Campanha da Fraternidade 2011, que começou na quarta feira de cinzas e chegou ao fim neste domingo, 17 de abril, com toda a sua indumentária socioambiental e litúrgica, será que nos deixou algum legado?
Já não era sem tempo que algum organismo social, que tivesse grande alcance e poder de comunicação e mobilização, arregaçasse as mangas e pusesse pra andar, uma campanha maciça pela preservação do ambiente e da vida no planeta.
Coube à Igreja Católica, lançar mão de uma campanha — um alerta contra o aquecimento global e as mudanças climáticas — para que toda a sociedade reflitisse sobre a questão ambiental e suas consequências, especificamente para as populações mais pobres e vulneráveis aos eventos climáticos.
A campanha, cuidadosamente preparada para gerar os impactos positivos que se esperava dela, adotou três metodologias para abordar o assunto de forma objetiva e convincente: ver, julgar e agir.
Realmente, o que vemos com a era de degradação, descaso e desperdício, inaugurada pela revolução industrial e mais tarde corroborada pela descoberta do petróleo, nos assusta e coloca em risco toda a vida no planeta.
Ainda quando existia o equilíbrio ambiental, em que as emissões de gases e o consumo eram compensados com a renovação dos recursos naturais — ar, água, energia, alimentos, etc. —, a vida em massa não corria risco algum, a não ser pelos eventos climáticos naturais.
Mesmo depois de décadas de estudos e divulgação de milhares de eventos provocados pelas mudanças climáticas, encontramos grupos de cientistas que têm muitos seguidores, defendendo a tese de que o aquecimento global é fruto de processos naturais promovidos pelo próprio planeta, e que não tem causas antrópicas.
Temos que tentar enxergar o aquecimento global, de qualquer forma, como uma ameaça à vida, venha ele de causas naturais ou provocado pela ação do homem com suas ambições sem limites.
Precisamos, neste caso sim, julgarmos todos os métodos de interação e integração do homem e dos outros seres vivos com o ambiente que eles aqui encontraram. Todos sabem que o ser humano é a exceção nesses processos, que é o único ser vivo que busca o desenvolvimento e o usa como álibi para justificar a degradação e a opressão sobre os seus semelhantes mais vulneráveis, e sobre todos os outros seres do planeta.
É evidente e perceptível a olhos nus que, a continuar o atual modelo de produção de bens e serviços, dentro de poucos anos os recursos naturais se esgotarão. Nem mesmo a recuperação e a reciclagem, e outros métodos de preservação ambiental, seriam suficientes para abastecer as populações de ar respirável, água e alimentos.
Como dissemos há pouco, não importam as causas, temos que agir rapidamente e de forma consciente, para reduzirmos o consumo de bens, o uso da água, o uso da energia, as emissões de gases e o desmatamento e as queimadas, seja por que justificativa for. Aliás, as queimadas são triplamente crueis, porque a árvore deixa de absorver gás carbônico do ar, deixa de proteger os biomas e a água ali existentes, e ainda despeja o conteúdo do seu próprio organismo (gás carbônico) na atmosfera, aumentando o aquecimento do planeta.
Nossa ação enquanto cidadãos tem que ser local, cada um de nós precisa tomar as medidas preconizadas não só na Campanha da Fraternidade, mas também aquelas que aprendemos com a maciça veiculação de ações e métodos de contribuição para diminuição do aquecimento global e das mudanças climáticas.
A campanha deste ano, para nós ambientalistas, nas suas intenções, pode ser considerada uma ode ao trabalho de milhões de pessoas e de muitas gerações, que levam uma luta desigual contra o poder de degradação de grupos empresariais e de governos inescrupulosos que tomam para si o planeta e passam a ser os donos do destino de milhões de pessoas.
Tanto no conteúdo quanto nas propostas é um divisor de águas para as comunidades ligadas à Igreja Católica, e agora é preciso passar conhecimentos, experiências e práticas que perpetuem o grito contra o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Alguém poderia perguntar: foi uma campanha perfeita? Não. Faltou o chamamento a milhares de organismos da sociedade civil que, junto com as comunidades, poderiam trabalhar na educação das pessoas e na gestão das propostas, para problemas tão graves. Esperamos também que os organismos sociais, agora no caminho inverso, se engajem nos objetivos socioambientais da campanha e tragam à luz com maior frequência e intensidade as suas propostas.
Não poderia esquecer também da parte litúrgica da campanha, belíssima e textualmente reverente à importância da vida sobre o planeta.
Uma de suas belezas, é o refrão do seu hino:
“Nossa mãe Terra, Senhor,
geme de dor noite e dia.
Será de parto essa dor?
Ou simplesmente agonia?!
Vai depender só de nós!
Vai depender só de nós!”
Esperamos que o eco da campanha retumbe bem alto e bem forte no coração e na mente de todas as pessoas, atingindo também os rincões mais distantes, para que nos deixe o legado de que, Fraternidade também é cuidar da Vida no Planeta.
* Francisco Pincerato é ambientalista e autor de livros, gibis didáticos e jogos pedagógicos sobre educação ambiental. Tem obras adotadas por várias prefeituras, pelo Instituto Ayrton Senna e até por empresas em campanhas de educação, saneamento e vigilância ambientais.