O envolvimento responsável e a prática do cuidado

Algumas palavras têm a capacidade de perder sentido e cair muito rapidamente num imenso vazio. Desconfio que “sustentabilidade” é uma delas. Bem como o tal “desenvolvimento sustentável” que carrega em si mais perguntas do que respostas.

Numa análise mais crítica, vamos perceber que não existem empresas sustentáveis. Mesmo porque ninguém atingiu o perfeito equilíbrio entre as dimensões social, ambiental e financeira, que fazem o tripple bottom line e sua nova contabilidade para uma geração de valor de longo prazo. Por certo, temos boas práticas em construção e uma saudável busca por novos modelos de gestão. A questão, contudo, permanece cheia de interrogações.

Diante delas, faz-se necessário não somente um novo modelo mental, como defende o Prof. Evandro Ouriques, mas também um permanente pensar sobre a ética e a responsabilidade nos negócios, como já escreveu a Profª Patrícia Almeida Ashley. Lembrando que responsabilidade significa ter habilidade de resposta. E nós ainda não temos habilidade suficiente para responder questões que envolvem o aquecimento global, processos de produção industrial menos danosos ao meio ambiente e ao homem, soluções globais para a miséria, a corrupção, a agressão ao direitos humanos fundamentais, entre outras. Talvez nem tenhamos consciência de que nos falta tal habilidade.

Diante disso, vejo que uma nova terminologia poderia ser muito mais útil para tratar de dimensões ainda tão distantes da nossa realidade, de nossas rotinas coletivas e individuais. A começar pelo Desenvolvimento Sustentável. Pergunto se des-envolver não seria exatamente a contramão do que prega a sustentabilidade, enquanto rede de conexões e interdependências de diferentes atores sociais? Des-envolver, neste sentido, seria um termo que alavanca a fragmentação e que vai contra a visão sistêmica necessária ao entendimento dos impactos de nossas ações sobre as variáveis sociais, ambientais e econômicas. Além das variáveis culturais, emocionais e por que não, espirituais.

Acredito que precisamos de um movimento cada vez mais interativo, colaborativo e integrado de… envolvimento! Envolvimento como sinônimo de cuidar. O envolver-se com questões globais e também com a sociedade local, com a diversidade de ideias, numa relação permanente entre múltiplos atores. Uma proposta de maior responsabilidade por nossos atos diante da vida, de hoje e de amanhã.

E o que dizer então de uma prática do cuidado como o melhor exemplo para fazer acontecer, de fato, a sustentabilidade? Não seria essa uma forma mais popular, simples e direta, de traduzirmos o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (como define o Relatório Brundtland)?

Porque o cuidar é um processo que requer atenção, que abrange a percepção de riscos. O saber cuidar, já descrito de maneira tão preciosa por Leonardo Boff e antes dele por Martin Heidegger, ainda vai poder reunir a questão dos afetos, outra vertente não levada em conta pela maioria das empresas. Mesmo as que já trazem, em sua declaração de missão, visão e valores, o sonho da sustentabilidade.

Ou seja, fica aqui a provocação para o uso de palavras menos complicadas ou já exauridas pelos excessos do marketing e da publicidade. Ter clareza na linguagem é uma exigência de modelos, como o da Global Reporting Initiative que estimula práticas baseadas na transparência e na facilidade de entendimento dos discursos e dos relatos de sustentabilidade. Ao facilitarmos o entendimento de conceitos fica mais fácil responder como podemos ser “sustentáveis”? Cuidando melhor das pessoas, dos bichos, das plantas, da rua, do bairro, da cidade. Numa crescente integralidade da nossa atenção para com o outro.

Portanto, que o envolvimento responsável torne-se a prática do cuidado, verdadeira construção da sustentabilidade pois antecipação criteriosa de projetos futuros e prudência vital na administração de projetos (individuais ou coletivos) em curso. E que o cuidado seja assimilado, mais rapidamente, tanto no meio acadêmico, quanto no ambiente empresarial. E também no nosso próprio dia a dia, como cidadãos.

* Luiz Antônio Gaulia é colunista da Plurale, colaborando com artigos sobre Sustentabilidade.  Jornalista, publicitário, professor da ESPM-RJ e gerente comercial da Vectorial – Consultoria e Gestão de Benefícios.

** Publicado originalmente no site da Revista Plurale. Para assinar clique aqui.