A Rio+20 passou. Mas o espírito Rio+20 permanece. O projeto que levou o bonito nome Humanidade 2012 batizou não só o evento paralelo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e a Fundação Roberto Marinho, no Forte de Copacabana, entre os dias 11 e 22 de junho de 2012, como também influenciou positivamente o processo de desenvolvimento sustentável.
A abordagem integrada do desenvolvimento sustentável foi, em 1992, o diferencial das negociações internacionais acerca da questão ambiental. Até hoje, referir-se ao espírito Rio-92 tem significância singular: representa a assertiva da conclusão da Comissão Brundtland segundo a qual o desenvolvimento tem que ser sustentável. Ser sustentável quer dizer ser melhor a cada nova geração. Se certa geração faz uso dos recursos ambientais tem que pensar na geração subsequente, legando-a o necessário para acessar igualmente os bens oferecidos pela natureza. Dado o limite desses bens, portanto, há a inarredável necessidade de economizá-los, de conservá-los, de preservá-los, de reciclá-los. Nessa medida, os bens ambientais são cada vez mais valorizados, sem eles não há vida, com a escassez deles a vida piora.
Por isso, torna-se fundamental aos usuários dos bens da natureza apenas acessarem-na com respeito à manutenção do equilíbrio ecológico. E, como consequência de várias destruições ao meio ambiente terem acontecido nas últimas décadas, cabe às gerações de cada momento presente limparem o que foi alvo de degradação ambiental, restaurando o meio ambiente em favor de si e da geração superveniente. Do contrário, isto é, sem uma limpeza, o legado de uma geração para outra é negativo, ou seja, no lugar da geração seguinte receber o meio ambiente ecologicamente equilibrado, ela recebe uma herança ruim, um passivo ambiental. Assim sendo, a sociedade atual está de tal modo “contaminada” em seu entorno que impera uma urgente demanda de que cada geração entregue um mundo melhor para a seguinte. Esta entrega de mundo melhor, ou, como sinônimo, mundo sustentável, pode ser feita de várias formas. Conceitos como “livre no ambiente” são interessantes para premiar aquele que merece ser tratado de maneira civilizada por ser civilizado. Nas relações econômicas, em uma campanha “livre no ambiente” o consumidor de produtos verdes pode ser considerado fiel a determinada marca e, por essa razão de ser sustentável, receber benefícios de várias ordens, como direito a descontos, a viagens, a ecobags, a mais produtos, enfim, a uma gama de acordos passíveis de serem celebrados com um fornecedor que quer incentivar comportamentos saudáveis.
Durante a Rio+20, Paulo Skaf e Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira – presidentes das Federações envolvidas – deram, de presente, para a comunidade visitante do Rio de Janeiro, no Humanidade, uma série de atrativos capazes de encantar qualquer amante da natureza. A temática ambiental estava nos materiais utilizados, na decoração, no som. Salas de várias cenografias possibilitaram a inserção do público (o “grande público”, como se refere Paulo Nogueira-Neto à audiência ambiental de todas as origens) num mundo imaginário refletor da realidade dos ecossistemas e de como a mensagem em favor do planeta pode ser conquistada com criatividade, sabedoria e amor às espécies. Em uma das salas, por exemplo, focou-se o “não ao desperdício”. Eram cenas de reproduções de notas de dinheiro rasgadas estampando as paredes e uma esteira aparentando produção em massa da Revolução Industrial com notas voando desordenadamente. Uma espécie de recado do quanto se gasta sem sentido, e do quanto se pode evitar de dano investindo-se no que é bom, no que previne desastres, no que traz efetivas melhorias. O impacto maior ficava nos números, quando as reproduções eram intercaladas por números que traziam a notícia de se modificar em tempo real conforme a rapidez de determinado fenômeno, como aumento das terras em deserto, dos resíduos, das mortes, dos nascimentos, entre outros.
Na capela Espaço da Humanidade foi possível encontrar a sintonia entre a arte e o conhecimento, a cultura e os idiomas, o homem e a natureza em equilíbrio. No meio da capela rodeada por livros e inscrições de linguagem em vários idiomas, uma mesa semelhante a um altar com sacrário horizontalizado, incluía um pêndulo que caminhava das bordas circulares ao centro, após um show no qual pássaros em dobradura pareciam rasgar o universo, enquanto os homens e mulheres se concentravam no domínio do conhecimento pacificador. Nas palavras do Paulo Skaf, o “espírito do pêndulo”, que perdurará após a Rio+20. Para sempre. Conforme explicou o prospecto da exposição, lá “é o centro do projeto, onde está exposta a grande potencialidade humana de transmissão do conhecimento a partir da criação da linguagem. Local de reflexão e compreensão da importância da educação, cultura, tecnologia e da necessidade de nos tornarmos uma humanidade”.
Uma biblioteca inusitada, formada por dez mil títulos selecionados por 120 personalidades brasileiras, está disponível para consulta do público. Uma biblioteca de livros e de pessoas, “já que a seleção de cada indivíduo indica o percurso intelectual e afetivo que os fizeram ser quem são” (prospecto da exposição). Em outro ambiente inusitado, entra-se com a impressão de se ter visto em meio à floresta. Uma fauna indicada pela música até deparar-se com o próprio homem refletido no espelho em meio aos tecidos de fotografias da vegetação: você mesmo, aquele que chegou tendo a impressão de aparecer desde o começo. Essa intrínseca relação entre o homem e o meio ambiente foi delicadamente mostrada, e revivenciada na consciência daqueles que tiveram o privilégio de visitar o Humanidade 2012. E um detalhe, podiam ser todos, pois o evento esteve aberto ao público que quisesse penetrar naquelas invenções de amor à biodiversidade e à sociedade.
Calculou-se que foram duzentas mil as pessoas a percorrerem esses caminhos do Humanidade. Além disso, discussões com hora marcada ocorreram no interior das salas de debate, tendo as frequentado personalidades que discutiram com profundidade temas como infraestrutura, consumo sustentável, mudança do clima, biodiversidade, energia, equidade de gênero, entre outros relevantes na pauta ambiental. Foi um foro de incremento das almas que foram ao Rio de Janeiro. Não se tratava do evento fechado das negociações oficiais dos chefes de Estado, ocorrido no Riocentro nos dias 20, 21 e 22 de junho, porém, foi a contribuição da indústria para que não fosse esquecida a abordagem integrada do desenvolvimento sustentável, estimuladora do equilíbrio entre os aspectos ecológico, econômico e social do meio ambiente. Não importa que a Declaração oriunda da Rio+20 tenha sido mais fraca do que se poderia desejar, o mínimo esperado está garantido: os três tratados da Rio-92 (do Clima, Combate à Desertificação e Biodiversidade) ficaram revigorados por ações paralelas como o Humanidade.
* Flávia Frangetto é conselheira do Conselho Superior de Meio Ambiente (Cosema) da Federação Fiesp.
** Publicado originalmente no site Plurale.