TERRAMÉRICA – “O Estado não perde soberania se respeita os direitos indígenas”
“Com a experiência se aprende porque no Peru está sendo construído um processo adequado” para consultar e dialogar com os povos indígenas, afirmou James Anaya em entrevista ao Terramérica. Darwin, Austrália, 3 de junho de 2013 (Terramérica).
“Com a experiência se aprende porque no Peru está sendo construído um processo adequado” para consultar e dialogar com os povos indígenas, afirmou James Anaya em entrevista ao Terramérica.
Darwin, Austrália, 3 de junho de 2013 (Terramérica).- “Acredita-se que o consentimento é dizer sim ou não, e quem vence”, afirmou o relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para assuntos indígenas, James Anaya. Consultar estes povos “é criar processos abertos nos quais os indígenas possam opinar, influir nas decisões e haja boa vontade para buscar consensos”. Anaya, advogado e relator especial das Nações Unidas sobre a Situação dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais dos Indígenas, deu ênfase na diversidade de rostos, idiomas, culturas e experiências que coincidiram na conferência da WIN (Rede Indígena Mundial), realizada entre 26 e 29 de maio em Darwin, na Austrália.
Em 30 minutos de exposição, Anaya destacou a importância de os Estados respeitarem e aplicarem medidas relacionadas com a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada em 2007. Em sua rápida passagem por Darwin, Anaya conversou com o Terramérica sobre a polêmica implantação da consulta prévia aos povos indígenas e o desafio de conceber modelos de desenvolvimento que permitam aos países acesso à prosperidade e respeito aos direitos das comunidades nativas.
Em sua opinião, o Peru é o país latino-americano com mais progressos normativos para aplicar a consulta prévia, estabelecida no Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), diante de projetos ou atividades que afetem o território e a cultura de um povo aborígine. Contudo, falta o país demonstrar na prática sua capacidade de respeitar os direitos indígenas. “Com a experiência se aprende porque no Peru está sendo construído um processo adequado”, afirmou.
Equador, Bolívia, Brasil e Colômbia estão discutindo esses mecanismos, embora ainda não contem com normas e protocolos internos para realizar as consultas. Para Anaya, não é “exigível” que os Estados aprovem leis e somente então começarem a consultar. O maior requisito é ter “vontade” de respeitar os direitos, ressaltou.
TERRAMÉRICA: Existe a percepção de que alguns governos da América Latina lidam com um duplo padrão: assinam instrumentos internacionais para proteger os direitos indígenas, mas não aplicam medidas para respeitá-los. Concorda com essa ideia?
JAMES ANAYA: Considero um avanço que quase todos os países latino-americanos tenham votado a favor da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e ratificado o Convênio 169. São passos importantes. Agora falta implantar esses processos, mas é muito complexo. Os Estados têm que fazer esforços para enfrentar o desafio. São vários os assuntos a considerar: primeiro, a educação dos funcionários estatais para entender que tais normas não são apenas de relação internacional, mas de aplicação interna porque se dirigem a povos indígenas que estão em seus territórios. O segundo é ter a vontade política para fazê-lo, e isso, às vezes, é o problema porque há várias forças políticas e econômicas a enfrentar. O terceiro é estabelecer mecanismos de colaboração com os povos indígenas para implementar as normas.
TERRAMÉRICA: Um dos assuntos com mais resistências das autoridades é a implantação da consulta prévia. Como vê os critérios que estão sendo considerados pelos governos para estabelecer qual é um povo indígena com direito a ser consultado?
JA: Isso varia muito nos países, depende de qual Estado.
TERRAMÉRICA: Por exemplo, o Peru.
JA: No Peru estão apenas começando a aplicar a lei e sua regulamentação. Sei que há todo um debate sobre o registro (dos povos indígenas), mas ainda é necessário ver como vão aplicar a lei. Espero que o façam segundo os padrões internacionais. Por outro lado, deve-se reconhecer que a consulta se baseia em direitos fundamentais que de alguma forma se aplicam a todos. No caso dos povos indígenas, por suas características, se trata de procedimentos diferenciados e especiais. Não é questão de considerações abstratas, é preciso ver no terreno.
TERRAMÉRICA: Falando de casos concretos, no Peru existe consenso em consultar os povos indígenas da Amazônia, mas não ocorre o mesmo quando se fala de comunidades camponesas localizadas precisamente em áreas de atividades extrativistas.
JA: Sempre se deve proteger os direitos dos povos indígenas. É preciso avançar no desenvolvimento para benefício de todos, mas protegendo os direitos indígenas. E conseguir as duas coisas é possível, não são incompatíveis.
TERRAMÉRICA: Talvez esse seja o problema: os Estados considerarem que é preciso deixar de respeitar os direitos indígenas para promover o investimento privado sem suas terras…
JA: O que acontece é que os modelos que existem mostram isto (os direitos e o desenvolvimento econômico) com algo incompatível. Talvez seja o caso de criar novos modelos baseados em direitos humanos, modelos que respeitem os direitos dos povos indígenas. Não é questão de frear o desenvolvimento.
TERRAMÉRICA: Isso que parece tão simples de entender gera resistências.
JA: Há muita polarização entre as partes e seria preciso dialogar mais.
TERRAMÉRICA: Acredita que o Estado perde soberania se um povo indígena tem a última palavra sobre realizar, ou não, um projeto de investimento em seu território?
JA: O Estado não perde soberania se respeita os direitos humanos ou os direitos indígenas. Tem que acatar estas normas para respeitar os direitos, o Estado não pode fazer o que quer. Eu diria que o respeito destes direitos é uma forma de garantir que esta soberania seja exercida. Quando o Estado respeita os direitos humanos, exercita sua soberania porque favorece os cidadãos e os povos.
TERRAMÉRICA: Mas existe uma perda de confiança nos governantes. Como garantir processos de consultas legítimas que permitam destravar o debate?
JA: É necessário superar a desconfiança, os preconceitos. Trata-se de criar processos abertos, nos quais os povos indígenas possam opinar, influir nas decisões e haja boa vontade para buscar consensos. O que acontece é que às vezes acredita-se que o consentimento é dizer sim ou não, e quem ganha. O consentimento está vinculado à consulta, da consulta com finalidade de chegar a um consentimento, a um consenso. Não é questão de uma parte impor sua opinião à outra. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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Direitos indígenas – Cobertura especial da IPS, em espanhol
Conferência da Rede Indígena Mundial, em inglês
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, pdf em espanhol
Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho, em espanhol
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.




