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O êxodo que não cessa na guerra do Paquistão contra o Talibã

Um refugiado ancião leva um saco de alimentos. O exército do Paquistão distribuiu 30 mil pacotes de rações, cada um de 110 quilos. Foto: Ashfaq Yusufzai
Um refugiado ancião leva um saco de alimentos. O exército do Paquistão distribuiu 30 mil pacotes de rações, cada um de 110 quilos. Foto: Ashfaq Yusufzai

 

Peshawar, Paquistão, 8/7/2014 – Há apenas alguns dias, Rameela Bibi era mãe de um bebê de um mês. A criança morreu em seus braços vítima de infecção pulmonar que contraiu quando a família fugiu de sua casa no distrito de Waziristão do Norte, no Paquistão, onde uma forte ofensiva militar contra o movimento extremista Talibã provocou o êxodo de quase meio milhão de pessoas.

“Meu filho nasceu em 2 de junho em nossa própria casa”, contou à IPS esta mulher de 39 anos. “Estava saudável e bonito. Se não tivéssemos fugido ainda estaria vivo”, acrescentou em meio a um choro desconsolado. Mas Bibi não tem tempo para chorar seu filho. Logo terá que secar os olhos e começar a penosa tarefa de cuidar dela e de suas duas filhas, que fazem parte das 468 mil pessoas refugiadas devido aos ataques aéreos do exército no território montanhoso repleto de talibãs, na fronteira com o Afeganistão.

A campanha militar, que começou em 15 de junho, foi motivada em parte pelo atentado contra o aeroporto internacional de Karachi, que matou 18 pessoas no dia 8 do mesmo mês. Desde 2005, o exército tenta eliminar os guerrilheiros das Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata), no noroeste do Paquistão, mas agora concentra a ofensiva na agência de Waziristão do Norte, onde os grupos insurgentes dominam desde que fugiram do fronteiriço Afeganistão, após a ocupação pelos Estados Unidos em 2001.

Alguns especialistas políticos defendem o que chamam de “linha dura” do governo de Islamabad diante da insurgência, mas para a população civil, cansada de anos de guerra, esta implica fugir, passar fome, ficar doente. A maioria dos refugiados, esgotados após horas de viagem por caminhos de terra com temperaturas de 45 graus, permanece nos enormes acampamentos em Bannu, cidade da província de Jiber Pajtunjwa.

Bannu já suporta o peso de quase um milhão de refugiados que chegaram em ondas sucessivas durante os últimos nove anos e não está, absolutamente, preparada para receber a nova afluência de famílias desesperadas. Com barracas de campanha servindo como abrigos improvisados e o abrasador calor do verão boreal, o pessoal médico alerta que há uma grave crise sanitária, já que têm dificuldades para tratar todos os pacientes.

Muitos viajam durante dias por estradas de terra, com temperatura de 45 graus, sem comida nem água pelo caminho, para chegar a um lugar seguro. Foto: Ashfaq Yusufzai
Muitos viajam durante dias por estradas de terra, com temperatura de 45 graus, sem comida nem água pelo caminho, para chegar a um lugar seguro. Foto: Ashfaq Yusufzai

 

Muslim Shah, antigo morador do Waziristão do Norte, acaba de chegar a Bannu, depois de viajar 45 quilômetros junto com sua esposa e os filhos. Shah recebe tratamento em uma clínica rudimentar do acampamento por desidratação severa e gastrenterite causada pelo consumo de água contaminada pelo caminho. Este homem de aspecto frágil conta à IPS que está preocupado com a saúde da família no ambiente insalubre do acampamento, enquanto aponta para um canal próximo, onde seus filhos se banham com água suja entre uma manada de búfalos.

“Examinamos cerca de 28 mil refugiados”, informou Sabz Ali, diretor médico adjunto no hospital sede do distrito de Bannu. Aproximadamente 25 mil sofrem doenças evitáveis causadas pela exposição ao sol, falta de nutrição e consumo de água não potável, explicou à IPS. “Devido às altas temperaturas tememos doenças transmitidas pela água e por insetos, como gastrenterite e diarreia, bem como doenças infantis previsíveis mediante vacinação, como poliomielite e sarampo”, detalhou.

Ahmed Noor Massud, de 59 anos, e os quatro integrantes de sua família personificam a crise sanitária. Massud está de cama após caminhar 40 quilômetros sob o sol, enquanto seus filhos, de 14, 15 e 20 anos sofrem diarreia, febre e dores de cabeça desde que chegaram ao acampamento, no dia 22 de junho. A família teve pouquíssimo acesso a água potável durante quase uma semana.

Especialistas como Ajmal Shah, enviado pelo departamento de Saúde de Jiber Pajtunjwa, dizem que o esgotamento também causou paradas cardíacas entre os refugiados. No deserto as famílias também estão à mercê das serpentes e dos escorpiões, e podem sofrer estresse psicológico de longo prazo como resultado do trauma, disse Shah à IPS.

Buscando algum alívio para o calor, com temperatura de 41 graus, crianças refugiadas de Bannu se banham junto a uma manada de búfalos em um canal de água suja. Foto: Ashfaq Yusufzai
Buscando algum alívio para o calor, com temperatura de 41 graus, crianças refugiadas de Bannu se banham junto a uma manada de búfalos em um canal de água suja. Foto: Ashfaq Yusufzai

 

Cerca de 90% dos refugiados são extremamente pobres e poucos podem pagar um médico particular, por isso esperam pacientemente que os escassos médicos cheguem ao seu lado. Mas para Jalal Akbar, de 30 anos e outrora habitante de Mir Ali, no Waziristão, a paciência é quase impossível. “Minha esposa ia dar à luz em 15 dias, mas os médicos dizem que a criança será prematura devido ao estresse da viagem até aqui. Ela precisa de repouso em cama, mas não encontramos uma moradia digna”, contou angustiado.

Outra grande crise que se avizinha é a de escassez de alimentos. Um informe de avaliação, divulgado em 30 de junho pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários, diz que o “exército do Paquistão distribuiu 30 mil pacotes de rações, cada um de 110 quilos”. O Programa Mundial de Alimentos “proporcionou rações de alimentos para mais de oito mil famílias, enquanto organizações não governamentais e humanitárias também realizam atividades de socorro”, acrescentou.

Mulheres, meninas e meninos representam 74% dos refugiados internos, o que levou a Organização Mundial da saúde (OMS) a apontar, em um documento de 30 de junho, a necessidade urgente de realizar “campanhas de sensibilização entre as mulheres para promover o uso de água potável segura, a preparação e o armazenamento higiênico dos alimentos”.

“Também deve ser promovida a informação sobre os benefícios de lavar as mãos antes de comer e de preparar os alimentos, o uso de mosquiteiros impregnados para evitar picadas de mosquitos e impedir a ocorrência de malária”, ressaltou a agência. A OMS afirmou ter enviado medicamentos para 90 mil pessoas em Bannu, mas os especialistas nessa região consideram que não bastarão para mitigar a crise de refugiados. Envolverde/IPS