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O futuro da China, quatro mil anos depois

Johan Galtung. Foto: IPS
Johan Galtung. Foto: IPS

Penang, Malásia, 11/2/2015 – Ao observar um mapa que combine a história do mundo com a geografia, o tempo e o espaço, por quatro mil anos a China aparece como um conjunto de dinastias relativamente coerentes com transições complexas.

Em contraste, o Ocidente surge como impérios com nascimento, crescimento, auge, decadência e queda, como nos casos dos impérios romano, britânico e o atual norte-americano.

A China deixou de lado o espaço habitado pelos bárbaros do sul, oeste, norte e leste fora do “bolsão chinês” entre as montanhas do Himalaia, o deserto de Gobi, a tundra e o mar, com a exceção das rotas da seda entre China oriental e o leste da África, destruídas por Portugal e Inglaterra a partir de 1.500, e colonizou Macau e Hong Kong.

Um dos objetivos que tem a atual política externa chinesa é restaurar as rotas da seda com trens de alta velocidade pela Eurásia, mediante a cooperação para o beneficio mútuo e equitativo, ou seja, a harmonia.

Os Estados Unidos deixaram de lado o tempo ao fazer caso omisso da história passada, e com a ideia de que cria começos novos para os imigrantes, e uma História Nova para si mesmo, para outros países e para o mundo inteiro.

Para o taoísmo, o conhecimento válido é holístico e dialético, baseado em grandes e complexas unidades de pensamento (os seres humanos inteiros, a China, o mundo), marcadas por forças e contraforças, o yin e o yang, o bem diante do mal. O que se suprime, cresce, e o que é dominante decai até o próximo ciclo.

Para o Ocidente, o conhecimento válido se baseia na subdivisão e no acúmulo de conhecimentos sobre os elementos, entretecidos nas teorias.

Para Mao Zedong (1893-1976), a contradição básica residia no imperialismo estrangeiro, com os proprietários diante do povo: estudantes, camponeses, trabalhadores. A revolução de 1949 começou uma dialética de distribuição frente ao crescimento, com saldos a cada nove anos (1958-1967-1976). A morte de Mao trouxe quatro anos caóticos.

Para Deng Xiapeng (1904-1997), a contradição jazia na miséria diante da falta de crescimento.

A revolução de 1980 acumulou capital entre os agricultores próximos às cidades e em Shenzen, com crescimento anual de 26%, e recriou a classe mercantil. Então sucederam-se ciclos de nove anos de distribuição versus crescimento, a partir de 1989, com os protestos da praça Tiananmen, e depois em 1998, 2007 e 2016, com um novo enfoque no crescimento.

A China se baseia nos princípios taoístas, nas ideias confucianas de hierarquias com harmonia e na igualdade budista das pequenas comunidades: o budismo para a distribuição, o confucionismo para o crescimento e o taoísmo para os saltos entre ambos.

O Ocidente poderia ter tomado os aspectos positivos do judaísmo, do cristianismo e do Islã, mas centrou-se nos aspectos negativos da discriminação, dos preconceitos, da guerra e do genocídio, agora sob a forma de judeu-cristão versus Islã, com sinergias sem empregar.

Os governantes madarins chineses combinaram o poder com normas da alta cultura para os agricultores e artesãos, estando os comerciantes marginalizados na parte inferior.

Os mandatários aristocratas ocidentais combinaram o poder com a força, o comércio e a benção do clero, que depois se converteriam no Estado, no capital e na burocracia. Uma diferença básica com a China era a marginalização diante da integração dos comerciantes.

Os imperadores chineses eram filhos celestiais que comercializavam com os que pagavam tributos ao imperador. No Ocidente, o Paraíso consistia em um único Deus para todos e para a eternidade, que criava e tirava a vida. O monarca era a única pessoa com o direito divino de tirar a vida, que também delegava ao seu exército.

Os ingleses se negaram a pagar esses tributos e recorreram às guerras do ópio e à “diplomacia dos canhões” para queimar, com os franceses, o palácio imperial. A China nunca foi violenta fora de seu “bolsão”, salvo quando a Índia a provocou em 1962.

O mandato divino se perde quando o povo protesta nas ruas, e se recupera ao abordar as necessidades e ideias no antigo sistema de petições, pela “democracia das ideias, não a democracia aritmética”, como faz o Ocidente com a contagem de votos em eleições nacionais livres e pluralistas.

A Revolução Cultural marchou nas ruas contra o poder confuciano de homens idosos com educação superior da China oriental, preparando o caminho para os jovens, as mulheres e a China ocidental, e também para os 80 milhões de membros do Partido “comunista”, suficientemente sábios para entenderem a dialética do yin e do yang.

Tiananmen em 1989 não teve a ver com democracia, mas com a perda de sua posição feudal diante dos agricultores ricos, dos comerciantes, dos capitalistas privados e estatais.

A China está centrada em si mesma, a cultura profunda ainda é holística-dialética com uma superfície ocidental. A sinergia de três civilizações está aí, em como a incapacidade da China para manejar o “bolsão que representam Taiwan, Tibete, uigures, mongóis, vietnamitas e coreanos.

Mas a China se globalizou ao comercializar com os bárbaros e acumular enormes riquezas. Mao abriu a sociedade a enormes massas de chineses: os jovens, as mulheres e os do oeste.

Deng tirou 300 ou 400 milhões de chineses do fundo da sociedade entre 1991 e 2004, passando o foco comunista das necessidades dos mais necessitados para o capitalismo: o capicomunismo. Em Pequim, em 1980, havia seis milhões de bicicletas e nenhum carro particular. Em 2010, essa proporção era de nenhuma bicicleta contra cinco milhões de carros.

O Ocidente, superado pelos países do Brics (África do Sul, Brasil, China, Índia, Rússia), se dedicou mais a matar do que a aprender.

A classe governante da China, imersa na cultura, vinculava os ciclos dinásticos ao pensamento do yin e do yang, e os comerciantes com os bárbaros.

Os governantes de hoje, ocupados em fazer dinheiro para engendrar mais dinheiro, vinculam o dinheiro à corrupção. Com a competência da América Latina mais África, e os protestos nas ruas, se aproxima o fim de uma dinastia.

A liderança da China não é para sempre. Nunca nada o é. Exceto, talvez, outra China: uma dinastia mais espiritual, depois do “comunismo” materialista? Envolverde/IPS

* Johan Galtung é professor de estudos sobre a paz e reitor da Transcent Peace University (TPU). Também é autor de 50 livros sobre paz e assuntos afins, entre eles 50 Years – 100 Peace and Conflict Perspectives (50 Anos – 100 Perspectivas Sobre Paz e Conflitos).