Organizações sociais contestam o documento final da Rio+20 e sua capacidade de mudar o cenário de degradação ambiental e acabar com a extrema pobreza.
A Rio+20 terminou com ganhadores e perdedores, segundo alguns mais perdedores do que ganhadores. Pela ótica das Nações Unidas, das empresas que participaram de diversos eventos e do governo brasileiro a Rio+20 foi um sucesso. Para eles o documento “O Futuro que Queremos”, assinado por 188 países, é um feito histórico e que ajudará a mudar o mundo. Esse documento estava pronto antes dos Chefes de Estado chegarem ao Rio de Janeiro, antes das organizações sociais se reunirem nos “Diálogos para a Sustentabilidade”, convocados pelo governo brasileiro como uma inovação no processo decisório da ONU, e muito antes de qualquer manifestação da sociedade civil que se organizou a dezenas de quilômetros das salas do Riocentro, na Cúpula dos Povos, que espalhou cores e vida pelo Aterro do Flamengo.
Uma comparação entre esse novo documento e a “Agenda 21” aprovada em 1992 é inevitável, com grande vantagem para os 40 capítulos da velha agenda. “A omissão aos direitos reprodutivos é um retrocesso em relação a tudo o que a própria ONU já aprovou”, disse Gro Brundtland, que coordenou o relatório “Nosso Futuro Comum”, de 1986, quando primeiro se definiu o que seja sustentabilidade e estabeleceu o conceito de “solidariedade entre as gerações”.
Para Brundtland, a declaração final da Rio+20, com suas mais de 50 páginas e 283 itens, não é o suficiente para apontar a humanidade em uma trajetória de sustentabilidade. Ela alerta que os limites ambientais do planeta já foram ultrapassados e é preciso ações de maior efetividade. Este cenário se complica com a previsão de que a população mundial, que atualmente está em 7 bilhões de pessoas, deve chegar a 9 bilhões até 2050, um dado que coloca em xeque o atual modelo de produção e consumo adotado pela maior parte da economia global, que se apoia na aceleração do consumo para a produção de crescimento econômico. Para o diretor executivo do Fundo de Populações das Nações Unidas, o nigeriano Babatunde Osotimehin, o crescimento das demandas de consumo, principalmente nos países emergentes, reforça uma enorme pressão sobre os recursos naturais. “Planejar para as mudanças previstas no tamanho da população e tendências como o envelhecimento, migração e urbanização é uma condição indispensável para estratégias sustentáveis de desenvolvimento”, explica.
O documento “O futuro que queremos” reafirma quase tudo o que já foi decidido em conferências anteriores e pouco acrescenta em termos de futuro. Mas há detalhes positivos, como o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que não será uma nova “Agência” da ONU, mas ganha relevância ao ter o número de seus membros ampliados de pouco mais de 50 para todos os países signatários da ONU. E também a projetada criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis, que deverão ser definidos até 2014 e que devem substituir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que vigoram até 2015. Outro ponto que merece destaque é que o texto assinado pelos governos representa apenas um mínimo que se deve fazer e nada impede que governos, empresas, organizações e pessoas de ir muito além, como fizeram os prefeitos reunidos no evento paralelo C-40, que reuniu 59 prefeitos das cidades mais populosas do planeta. “Não podemos esperar as decisões dos governos nacionais”, frisou Michael Bloomberg, prefeito de Nova York. Entre os compromissos assumidos está a redução de mais de um bilhão de toneladas em emissões de CO² até 2030, além de investimentos em transporte coletivo sustentável e de qualidade.
Do ponto de vista das empresas a participação na Rio+20 representou a assinatura de quase 700 acordos, que foram encaminhados ao embaixador Sha Zukang, secretário-geral da Rio+20, o que representa investimentos superiores a US$ 500 bilhões. Outro ponto de destaque foi o acordo em que todas as instituições de ensino superior do Brasil se comprometem a incluir o tema sustentabilidade em seus currículos. As empresas também estiveram presentes em estandes montados no “Parque dos Atletas”, área próxima ao Riocentro, onde iniciativas de baixo carbono e de sustentabilidade foram apresentadas a milhares de visitantes. A forte participação das empresas evidenciou o que muitos militantes sociais anunciavam, que a Rio+20 foi uma oportunidade de reconstrução do capitalismo, agora tingido de verde. A ex-ministra Marina Silva disse que “a conferência foi capturada por interesses corporativos”.
A falta de financiamento para implementar um novo modelo econômico também chamou a atenção. Não foi aprovado no documento final um aporte de US$ 30 bilhões para um fundo de ajuda à transição econômica dos países mais pobres. No entanto, na mesma semana, durante a reunião do G20, no México, foi aprovado um reforço de US$ 456 bilhões para o Fundo Monetário Internacional (FMI), dos quais US$ 75 bilhões oferecidos pelos emergentes do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), numa clara indicação de que a prioridade é “salvar os bancos”.
A Rio+20 não foi uma conferência para a tomada de grandes decisões, mas foi uma oportunidade para grandes diálogos. Foram mais de 3 mil eventos paralelos reunindo cientistas, especialistas, militantes de todos os setores e organizações sociais de todo o planeta. Cada qual com uma visão diferente dos resultados. Segundo parte dos mais de 4 mil jornalistas credenciados, é difícil dizer, sem um certo distanciamento no tempo, qual será o legado dessa conferência.
* Dal Marcondes é jornalista especializado em jornalismo econômico, diretor e editor responsável da Envolverde – Revista Digital e presidente do Instituto Envolverde.
** Conteúdo produzido pela Envolverde e publicado originalmente no suplemento Carta Verde, na revista Carta Capital.