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O gênero conta após um desastre no Caribe

Um padre reza com Collen James em Cane Grove, em São Vicente e Granadinas. A irmã de James morreu nas inundações que atingiram este país na véspera de Natal. Sua filha de dois anos ainda estava desaparecida. Foto: Desmond Brown/IPS
Um padre reza com Collen James em Cane Grove, em São Vicente e Granadinas. A irmã de James morreu nas inundações que atingiram este país na véspera de Natal. Sua filha de dois anos ainda estava desaparecida. Foto: Desmond Brown/IPS

 

Porto Espanha, Trinidad e Tobago, 4/2/2014 – Os cada vez mais numerosos desastres naturais no Caribe, causados pela mudança climática, afetam de forma diferente homens e mulheres, em grande parte devido aos papéis de gênero construídos pela sociedade. Embora seja certo que as mulheres são as que mais sofrem nestas situações, também são necessárias políticas que foquem em ajudar os homens, afirmou Elizabeth Riley, subdiretora-executiva da Agência Caribenha de Gestão de Emergências por Desastres (CDEMA).

“Na região do Caribe as discussões sobre os impactos de gênero se reduzem a falar sobre as mulheres”, disse Riley à IPS. No entanto, a experiência com os desastres naturais indica que também são necessários programas de apoio psicossocial para os homens, ressaltou. Um informe preparado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), intitulado Reforçando a Visibilidade de Gênero no Manejo de Riscos de Desastres e a Mudança Climática no Caribe, também destaca essa situação.

O estudo indica que os homens caribenhos, em geral, não estão preparados para enfrentar as consequências de um furacão, e depois de sofrer um desastre são propensos a cair no alcoolismo ou sofrer estresse e ataques de raiva. Por outro lado, as mulheres respondem a esses desastres “se ligando com todo o conceito de capital social, dependendo umas das outras, das ligações familiares e dos amigos”, detalhou Riley. As mulheres se voltam a consolar os filhos, cozinhar para toda a comunidade e a “estimular as pessoas a se recuperarem”, acrescentou.

Outros informes indicam que os homens mostravam capacidade de resistência diante dos desastres quando se dedicavam a construir moradias. Mas informes regionais revelam outras vulnerabilidades masculinas. Riley apontou que estudos mostram que “os homens idosos são abandonados, incapazes de se alimentarem sozinhos”.

“Isso está estreitamente ligado a uma cultura na qual os homens têm muitas mulheres (ao longo da vida) e quando ficam velhos não contam com capital social que os apoie”, explicou Riley. “Esse é o resultado do papel socialmente construído dos homens como ‘machos’ que devem ter filhos com várias mulheres”, afirmou. Em sua avaliação macroeconômica e social de 2004 sobre o dano causado pelo furacão Ivã em Granada, a Organização de Estados do Caribe Oriental declarou que “69% das vítimas eram homens e que 70% de todos os falecidos tinham mais de 60 anos”.

Os homens têm maior probabilidade de sofrer danos físicos em uma catástrofe, pontuou Asha Kambon, conselheira sobre desastres naturais e seu impacto nos pequenos Estados insulares em desenvolvimento. “Nós, as mulheres, não somos tão propensas a assumir riscos como os homens”, acrescentou a especialista, que trabalhou por 20 anos na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Embora geralmente morram mais mulheres do que homens em um evento climático extremo, a diferença pode variar “dependendo do ambiente e de outras circunstâncias’, disse Kambon à IPS. Por exemplo, os seis mortos nas últimas inundações em Santa Lúcia, na última semana de 2013, eram homens. A maioria tentava conduzir seus automóveis apesar dos transbordamentos.

Kambon também recordou que, em algumas das últimas inundações que atingiram a Guiana, vários homens morreram de leptospirose por terem caminhado pelas águas, enquanto nenhuma mulher sofreu esta doença. A especialista apontou que as guianesas tomaram os medicamentos recomendados e evitaram o contato com a água contaminada.

Porém, os desastres naturais colocam uma carga especial sobre as costas das mulheres, de formas muito semelhantes às experiências em outras partes do mundo. No Caribe, as escolas e igrejas são os primeiros lugares que oferecem abrigo depois de uma catástrofe natural. Isso aumenta a carga sobre as mulheres, disse Kambon, já que estas “são responsáveis pelas crianças e pelos idosos, e frequentemente as escolas não abrem rapidamente após um desastre. Assim, elas têm de cuidar dessas crianças e não podem sair em busca de trabalho”.

Segundo o estudo Tornando mais Seguros os Ambientes Perigosos, da Divisão das Nações Unidas para o Progresso da Mulher, “o trabalho doméstico aumenta enormemente quando os sistemas de apoio, como a atenção infantil, escolas, clínicas, o transporte público e as redes familiares são prejudicados ou destruídos”.

Muitas mulheres pobres no Caribe ocupam os níveis mais baixos da indústria turística, e como os desastres afetam severamente o setor, muitas ficam desempregadas porque suas habilidades não são transferíveis, isto é, não podem ser usadas em outros empregos. “Os homens conseguem entrar no mercado mais rápido, porque as habilidades que possuem são transferíveis. Além disso, os homens têm algumas habilidades de construção, e podem conseguir emprego nesses setores e receber um salário”, destacou Kambon.

Além disso, as mulheres têm menos probabilidade de serem beneficiadas nos programas de “dinheiro por trabalho”, comumente implantados após um desastre para reconstruir a infraestrutura de um país e oferecer emprego, observou Riley. Os homens têm a vantagem de possuírem maior força física para esses trabalhos. As caribenhas ficam relegadas às suas casas, onde cuidam de familiares idosos, e por isso não podem ocupar postos nos programas de reconstrução. Talvez se pudesse implantar um programa de “dinheiro por cuidados”, opinou Riley, para garantir uma renda às mulheres que cuidam de membros dependentes da comunidade.

Kambon indicou que isto revela a importância de conhecer a situação de gênero na comunidade na hora de desenhar os programas de resposta aos desastres. “A falta de conhecimento que têm os trabalhadores de ajuda sobre as desigualdades de gênero pode perpetuar os preconceitos e deixar a mulher em maior desvantagem na hora de ter acesso a medidas de alívio e a outras oportunidades e outros benefícios”, diz o estudo da Organização das Nações Unidas (ONU).

Kambon também afirmou que após os últimos desastres naturais na região houve problemas sobre “a segurança e integridade de mulheres e meninas”, já que houve uma ruptura da ordem pública. Até as instalações higiênicas apresentaram inconvenientes para as mulheres nos abrigos de emergência. “O que era adequado para homes era completamente inadequado para mulheres em termos de limpeza, segurança, localização e acessibilidade”, enfatizou a especialista. Envolverde/IPS