Tel Aviv, Israel, 1/8/2013 – Duas bandas de heavy metal israelenses, uma integrada por árabes, a Jalas (“suficiente”, em árabe), e outra por judeus, a Orphaned Land (“terra órfã”), dividiram esta semana o palco no Club Hangar 13, no renovado porto de Tel Aviv, e logo iniciarão uma excursão europeia de 18 apresentações. Embora a colaboração artística seja em si mesmo um sucesso, porque é bastante raro bandas judias e árabes tocarem juntas, os dois grupos preferem se concentrar em fazer música e não em ressaltar suas respectivas identidades em conflito.
O líder da banda árabe, Abed Jathout, é de Acre, no norte de Israel. O baixista procurou baixar as expectativas durante um ensaio. “Somos companheiros metaleiros antes de tudo. É a música que nos une”, afirmou. Na verdade, a única “desconexão” que sentem é com os palestinos que afirmam que este tipo de colaboração musical, apresentada como projetos de coexistência, na realidade apoiam a ocupação israelense da Cisjordânia e Jerusalém oriental.
“Cultivar a irmandade e compartilhar o palco são formas de mostrar que o rock está acima da política”, ressaltou Koby Farhi, vocalista e líder da banda judia. A Orphaned Land tem uma mescla de ritmo new age. Suas letras se referem a uma paz profética entre as religiões. A banda se apresentou na Turquia e se orgulha de ser “popular no mundo árabe”. Existe uma confusão entre a identidade turca e a árabe, que é comum em Israel devido à cultura islâmica compartilhada pelos dois povos.
Os músicos da Jalas são israelenses de origem palestina, embora se considerem simplesmente palestinos. “Íamos tocar no Egito em novembro, mas uma semana antes o show foi cancelado. Bom, temos passaporte israelense”, explicou Jathout. Durante sua apresentação tocaram uma boa versão de Alf Leila wa Leila (Mil e Uma Noites, em árabe), um sucesso da lendária cantora egípcia Umm Kalzum (1898-1975).
As duas bandas procuram defender a ideia de que a música não tem fronteiras e está acima das nacionalidades. Contudo, no mundo da política, a realidade é mais complexa. Um em cada cinco israelenses é de origem árabe-palestina. A maioria destes, na verdade, se consideram palestinos ou “palestinos israelenses”. A maioria dos judeus os considera “árabes israelenses”, e os de direita os rotulam de “quinta coluna”, isto é, simpatizantes do inimigo. Por sua vez, a maioria dos palestinos os chama “árabes de 1948”, porque permaneceram no Estado judeu quando este foi criado naquele ano.
Quando Israel lutou sua guerra de independência em 1948 e 1949, centenas de milhares de palestinos fugiram e se converteram em refugiados. Muitos que ficaram passaram a ser refugiados internos, no que se reconheceu com “Nakba” (catástrofe, em árabe). Farhi faz todo o possível para destacar o espírito de companheirismo. “É a segunda noite que tocamos juntos, Orphaned Land e Jalas, como israelenses e árabes”, afirmou. Por sua vez, Jathout reconheceu: “odiamos que todo o mundo espere que cantemos sobre a ocupação apenas por sermos palestinos”.
Entretanto, os habitantes da Cisjordânia e de Jerusalém oriental seguramente não concordam com a atitude das bandas. Desde a segunda Intifada (levante palestino de 2000 a 2005) mantêm um boicote cultural contra Israel em protesto à ocupação. De todo modo, as severas restrições impostas na Cisjordânia com os postos de controle, os caminhos especiais para a população dos assentamentos, as barreiras e os muros de separação tampouco propiciam um intercâmbio cultural.
As limitações de movimento são aliviadas durante o mês sagrado muçulmano do Ramadã. As pessoas de idade residentes na Cisjordânia recebem permissão para rezar na Al-Haram ash-Sharif (Esplanada das Mesquitas), lugar sagrado para o Islã, localizado na amuralhada Cidade Velha de Jerusalém. O alívio das restrições se deve, provavelmente, à existência de conversações de paz em andamento.
Além do problema central das fronteiras entre Israel e o futuro Estado palestino, a identidade nacional é um grande obstáculo nas negociações. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, insiste que os palestinos reconheçam seu país como “Estado judeu”. Mas o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, é contra porque a denominação ignora a significativa minoria palestina que vive em território israelense.
Desde que o Hamás (Movimento de Resistência Islâmica) assumiu pela força o controle da Faixa de Gaza e Israel impôs um duro bloqueio em 2007, numerosos artistas palestinos estão proibidos de entrar em território israelense, inclusive o cantor Mohammad Asaf, de Gaza, que venceu o concurso de talentos Arab Idol este ano. A União Europeia anunciou que a partir de 2014 os 28 Estados membros que assinarem acordos de financiamento e cooperação com entidades de Israel estarão obrigados a estabelecer uma diferença entre as que estão em território israelense, propriamente dito, e as que ficam nas colônias judias de Jerusalém oriental e Cisjordânia.
Para a maioria dos judeus israelenses, as 200 mil pessoas que vivem nos bairros judeus de Jerusalém oriental não são colonos, simplesmente “residentes” desta cidade e, naturalmente, israelenses. Além disso, os 400 mil colonos que vivem na Cisjordânia se consideram simplesmente israelenses. Para a União Europeia e todos os países que não reconhecem a legitimidade da ocupação, os israelenses que residem nos territórios palestinos definem sua identidade por imposição e não por reconhecimento.
“Sou totalmente contra os boicotes”, disse Farhi. “O propósito da arte é a harmonia e a coexistência, precisamente em lugares onde não existe”, afirmou. Orphaned Land e Jalas têm um sonho modesto: “compartilhar um ônibus” durante sua viagem pela Europa. Envolverde/IPS