O ex-campeão Adyr da Silveira em uma das suas muitas vitórias

Conheça Adyr da Silveira, tetracampeão paranaense de ciclismo de estrada que, aos 70 anos, trabalha todos os dias consertando bicicletas.

Quase cinco décadas antes de os debates sobre mobilidade urbana em duas rodas flertarem com a mídia nativa, um atleta franzino e raçudo já colecionava glórias nas estradas brasileiras com sua magrela, uma Monark com doze marchas fabricada na Suécia e equipada com peças da italiana Campagnolo.

Entre outros feitos, Adyr da Silveira foi tetracampeão paranaense de ciclismo de estrada (em 1965), vice-campeão brasileiro de ciclismo de pista (em 1964) e um dos 5 atletas de elite que representaram o Brasil no Campeonato Sul Americano de Ciclismo de Santiago do Chile (também em 1965).

Guarda ainda feitos memoráveis, como a 11º colocação na dificílima Prova de Ciclismo de Resistência das Américas (em 1963) – na qual, durante 16 dias, enfrentou 2 mil km de estrada ao lado de competidores de vários países do continente, e ainda a vitória em uma dura prova de velocidade (novamente em 1965) na qual cruzou os 70 km de Curitiba até Morretes – oito deles sacolejando sobre os poliedros lisos e irregulares da Estrada da Graciosa.

Os jovens ciclistas não o conhecem, mas deveriam – e não só por sua galeria de títulos. Adyr da Silveira – o Badica, seu apelido – é um exemplo de vida para os ciclistas, profissionais ou não.

Meio século entre bikes

Ainda hoje, aos 70 anos, o ex-campeão trabalha. E trabalha duro, em parceria com o filho, Diovane – um dos quatro que teve no casamento. Orgulha-se, aliás, das mãos sujas do óleo e da graxa das bikes que conserta, há quase meio século. Tanto que, às 8h30 da manhã, cumpre lida diária de bater ponto na sua oficina e loja de peças, a New Bike, tradicional bicicletaria instalada há trinta anos no número 2474 da Avenida Wenceslau Braz, na Vila Guaíra, em Curitiba.

Sem exagero, a vida de Adyr, basicamente, confunde-se com as das bikes: ele começou a ganhar a vida como funcionário de uma bicicletaria, aos 16 anos. Depois, montou a sua própria oficina, em outro endereço, no bairro Pinheirinho. Até que instalou-se no endereço atual, onde é figura conhecida (e muito respeitada) há quase trinta anos.

Glórias na gaveta

Mesmo com todo seu acervo de vitórias, porém, Adyr professa franciscana humildade. Diferente dos atletas que ostentam títulos em bem elaboradas molduras instaladas nas paredes das suas casas , Adyr prefere guardar quase todos os registros dos seus feitos a uma distância razoável dos olhos dos clientes.

Das glórias do passado, ostenta apenas uma desbotada faixa de campeão, dezenas de fotos puídas pelo tempo e ainda de amarelados recortes de jornais da década de 60, que registraram suas conquistas nas estradas. Precioso material histórico que hoje, porém, repousa empilhado em uma gaveta sem chave localizada em uma bancada de madeira onde Adyr e Diovane consertam as bikes.

Do acervo de fotos, 47 ocupam espaço mais nobre, espremidas em três velhas molduras fixadas nas paredes de uma salinha ao lado da oficina, onde o ex-campeão vende peças de bikes. Assim mesmo, estão lá somente por obra e graça do filho Diovane, que decidiu exibi-las em sinal de justificado orgulho do pai. E também para provar aos descrentes suas conquistas do passado. “Às vezes, as pessoas chegam aqui e falam: ´este velho está mentindo`. Aí, a gente mostra as fotos”, ri o ex-campeão, dono de um timbre de voz de tenor italiano.

Quadros de ferro

Tanto orgulho do filho Diovane se explica. Os tempos eram outros. Ser campeão de bike era para poucos. Diferente das speeds de ponta de hoje, que geralmente são montadas em quadros feitos com fibra de carbono, as bikes das décadas de 60 com as quais Adyr sangrava as rodovias eram mais pesadas (12kg, em comparação aos 8 ou 9kg das bikes mais leves atuais) porque tinham quadro de ferro e recebiam alumínio apenas no sistema de câmbio. Carbono, nem pensar.

Alias, reza o pai-de-todos Wikipedia que as primeiras bicicletas chegadas ao Brasil diretamente da Europa pipocaram justamente em Curitiba, na segunda metade do século XIX. Foi também na capital onde surgiu o primeiro clube de ciclistas organizado por imigrantes da colônia alemã que vivia por aqui, mais ou menos na mesma época. Ou seja: Adyr de Oliveira foi campeão representando aquela que pode ser considerada a cidade-berço do ciclismo brasileiro.

Suplemento era mingau de aveia

O preparo físico e técnico dos ciclistas profissionais como Adyr também era bem diferente dos atuais. Anabolizantes e outras drogas injetáveis proibidas – aquelas que arruinaram a biografia de Lance Armstrong, um dos maiores ciclistas profissionais da história – ainda eram peça de ficção. Idem personal trainners e o infinito de suplementos vitamínicos que o mercado despeja nas lojas dos bombados de plantão.

Isto significa dizer que Adyr de Oliveira ganhou seus títulos no peito, na raça e literalmente com as próprias pernas. Treinava duas vezes por semana, geralmente na estrada – a BR-116 (no norte de Curitiba) e a BR-277 (Rodovia do Café). Era movido apenas pelo seu feeling de esportista e por boa alimentação, que nos dias das provas era complementada por outro alimento sui generis para os competidores de hoje: “A gente comia mingau de aveia de manhã cedo, duas horas antes da prova”, conta o ex-campeão, que começou a pedalar profissionalmente aos 17 e parou aos 26 (“desisti porque não tinha mais apoio”, explica), depois de passar por várias equipes, como as do Café Alvorada e da Monark.

Caminho sem volta

Adyr também era um exemplo no respeito às leis de trânsito. Amava a velocidade em duas rodas, mas sua paixão mesmo era viver, motivo pelo qual levava a sério as sagradas lei do asfalto: pedalar com muita atenção, sem excessos e a uma distância segura dos veículos. Diferente de muitos ciclistas e motociclistas do Brasil de 2013, que beliscam a morte quando ziguezagueiam entre carros e ônibus, nas avenidas das grandes cidades.

Talvez por isso o homem tenha completado sete décadas de vida lúcido, íntegro fisicamente e ensinando regras preciosas aos que estão começando no esporte: “Para ganhar, a gente precisa ser humilde, respeitar as estradas e não usar a droga. Ela não leva a nada”.

* Aurélio Munhoz é graduado em Jornalismo e em Sociologia. Pós-graduado em Sociologia Política e em Gestão da Comunicação, foi repórter, editor e colunista na imprensa do Paraná. É assessor governamental e de comunicação e presidente da ONG de educação ambiental Pense Bicho.

** Publicado originalmente no site Carta Capital.