Tel Aviv, Israel, 6/9/2011 – Ao falar no Congresso dos Estados Unidos em maio, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, presumiu que seu país era um farol de liberdade no Oriente Médio e na África do Norte, e o único lugar onde os árabes “gozavam de reais direitos democráticos”.
É verdade que os cidadãos palestinos de Israel têm alguns direitos democráticos, como o voto. Contudo, como o próprio Netanyahu disse no Congresso, o “caminho da liberdade não está construído apenas sobre eleições”. Nos meses do verão viu-se uma preocupante aceleração das tendências antidemocráticas.
Em primeiro lugar, o parlamento israelense aprovou uma “lei antiboicote” (que criminaliza o protesto pacífico palestino contra Israel), decisão que foi amplamente qualificada de golpe contra a liberdade de expressão e a democracia. Inclusive alguns dos mais firmes partidários de Israel expressaram sua preocupação.
Agora, os legisladores introduziram um projeto de lei que propõe mudar a definição de Israel de Estado “judeu e democrático” para “lar nacional do povo judeu”. Se for aprovado, a norma passará a integrar a leis fundamentais de Israel, que funcionam como uma Constituição.
Cada vez que surgir um conflito entre os valores democráticos e os tradicionais judeus, a nova definição de Israel permitiria aos tribunais e aos legisladores favorecerem estes últimos. Segundo o jornal Haaretz, o projeto de lei também converte a lei religiosa judia em uma “fonte de inspiração para a legislatura e os tribunais”.
E, no espírito de favorecer o caráter judeu do Estado, a legislação proposta também degradaria o idioma árabe, que deixaria de ser um dos oficiais para se converter em uma língua com “status especial”. O árabe é a língua-mãe de 20% dos cidadãos israelenses. Foi o idioma oficial desta terra desde 1924, quando o mandato o estabeleceu junto com o inglês e o hebreu.
Quando o Estado de Israel foi criado em 1948 o inglês foi suprimido dos livros. Embora o árabe permanecesse como idioma oficial, os cidadãos que o falam sempre recebem tratamento de segunda classe. Muitos formulários governamentais, incluindo os destinados à assistência social e seguros, são encontrados apenas em hebreu. Os que falam árabe têm pouca representação no setor público.
Então, se um cidadão palestino não fala bem o hebreu, se priva de serviços ou benefícios que lhe cabem por direito e que necessita desesperadamente. Os resultados são, às vezes, devastadores. Por exemplo, na cidade de Lod, 25% da população é árabe. Mas, dos 50 trabalhadores sociais que possui, apenas dois falam árabe e ambos trabalham em tempo parcial.
Após uma onda de violência doméstica que deixou três mulheres árabes de Lod mortas, organizações não governamentais questionaram o compromisso do Estado na proteção dos cidadãos palestinos. Estas mortes poderiam ter sido evitadas com melhor acesso a recursos?
A diretora da organização Mulheres Árabes no Centro, Samah Salaime-Egbariya, disse que a taxa de assassinatos é baixa em lugares onde os que falam língua árabe recebem ajuda. “Em Jaffa, por exemplo, há mais do que uns poucos problemas, incluindo violência e drogas, mas, por que nenhuma mulher foi assassinada ali nos últimos dez anos? Porque há cogeração e foram destinados recursos tanto pela cidade quanto pelo Ministério de Assuntos Sociais”, disse ao jornal Haaretz.
Os que falam o segundo idioma oficial de Israel às vezes também sofrem com o sistema judicial. Graças a uma batalha legal travada pelo Centro Legal para os Direitos da Minoria Árabe em Israel (Adalah, “justiça” em árabe), agora os que não falam hebreu têm direito a contar com intérprete gratuito. Entretanto, não recebem esse serviço de forma automática, e devem pedi-lo com antecedência. E, alguns nem mesmo sabem que podem solicitar tal ajuda. Há pouco me sentei em uma audiência em um tribunal durante a qual um homens palestino lutava para articular palavras em hebreu.
A discriminação está presente no manual de uma importante rede de café, a Aroma Tel Aviv, que instrui os funcionários a “falarem apenas em hebreu”, quando há clientes. Em numerosas ocasiões, cidadãos palestinos de Israel são demitidos por falarem sua língua-mãe.
Estes incidentes refletem a profunda discordância dos israelenses judeus quando ouvem o árabe. Este fenômeno está tão difundido e é tão bem conhecido que foi ilustrado na versão israelense da série de televisão britânica The Office.
Depois que um empregado judeu se preocupa porque Abed, um colega árabe, esteve se confraternizando “com o inimigo”, o gerente estabelecia a política de que só se falasse hebreu. Em uma cômica, mas comovedora cena, Abed faz negociações comerciais em hebreu com outro árabe.
As proibições contra o árabe são encontradas em escolas israelenses. Em Yafo, um diretor proibiu cidadãos palestinos de falarem sua língua-mãe. No entanto, os estudantes de origem russa podem utilizar livremente seu primeiro idioma. Sawsan Zaher, advogado em Adalah, disse que inclusive os que falavam árabe no sistema escolar sofriam problemas relacionados com a língua.
No começo deste ano, a Associação Cultural Árabe informou que os livros de textos usados por palestinos cidadãos de Israel tinham mais de 16 mil erros de gramática e ortografia. Os deslizes apareciam em livros de matemática, história, geografia e inclusive nos usados para ensinar o árabe. Isto deixa os estudantes árabes em dupla desvantagem, pois aprendem uma versão incorreta de sua língua-mãe e são obrigados a usar o hebreu.
“O direito internacional obriga o Estado a respeitar a língua da maioria”, disse Zaher, acrescentando que a lei de educação pública de Israel, de 1953, também exige que se reconheça o idioma, a cultura e a religião das minorias. Os livros de texto, portanto, representam uma violação tanto do direito internacional quanto das leis israelense.
Como Israel por longo tempo marginaliza a língua árabe e os que a falam Zaher não acredita que degradar o status do idioma provoque mudanças práticas. O alarmante é que a legislação seja proposta como uma lei fundamental. “O idioma é um importante indicador para ver se o Estado reconhece, ou não, a minoria. Se estabelece o status de uma língua na Constituição”, explicou Zaher.
A lei proposta “significaria que não haveria reconhecimento dos árabes como minoria nacional e que não poderiam obter proteção de acordo com o direito internacional”. O fato de o projeto ser apresentado um mês antes da votação na Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o reconhecimento do Estado palestino é significativo, acrescentou Zaher.
“Poderia ser visto como outra tentativa de responder à iniciativa palestina. É como dizer: está bem, querem seu próprio Estado? Então Israel será o Estado do povo judeu, e outros serão marginalizados mais e mais”, disse Zaher. Reconhecer a língua de determinado grupo significa reconhecer a existência desse grupo. Da mesma forma, disse Zaher, “se os israelenses querem um Estado só para o povo judeu, têm de prejudicar o árabe”.
Como esta marginalização existe há anos, talvez a última iniciativa do parlamento israelense represente um passo para um Estado de Israel mais honesto, que não finja ser tanto judeu quanto democrático para todos os cidadãos. Pelo menos o mundo saberá com quem está tratando. Envolverde/IPS
* Mya Guarnieri é escritora radicada em Tel Aviv. As opiniões expressas são da própria autora e não refletem necessariamente a política editorial da IPS ou da Al Jazeera. Esta coluna foi publicada sob acordo com a Al Jazeera.