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O inferno na terra prometida

Matthew Carr. Foto: Cortesia do entrevistado

Nova York, Estados Unidos, 4/12/2012 – Nas fronteiras da Europa, os imigrantes enfrentam muitas dificuldades, desde as contraditórias e confusas políticas para os estrangeiros, até exploração, discriminação racial e xenofobia. O livro de Matthew Carr, Fortress Europe: Dispatches from a Gatede Community (Fortaleza Europeia: Despachos de uma Comunidade Fechada), conduz o leitor por um passeio de 279 páginas pelas muito questionadas zonas fronteiriças sob pressão da Europa. Em toda sua investigação Carr “ouviu alguns dos mais deprimentes relatos” e conheceu “imigrantes presos em situações incrivelmente vulneráveis”, contou à IPS.

Estes imigrantes, a maioria procedente do norte da África, colocam suas vidas em risco, cruzando mares, desertos e montanhas para chegar às costas da Europa, um continente que, segundo eles, lhes dará liberdade, abrigo e um futuro melhor. Entretanto, em lugar disso, encontram dificuldades de todo tipo. Carr conversou com a IPS sobre o processo de pesquisa e seus aspectos mais relevantes.

IPS: Seu último livro trata da mesma temática que o anterior, Blood and Faith (Sangue e Fé), a expulsão dos muçulmanos da Espanha no começo do século 17. O que chama sua atenção nestes temas?

MATTHEW CARR: A expulsão da minoria moura foi um exemplo precoce deste fenômeno, que se repete na história europeia e na qual sociedades poderosas vitimizam outros grupos considerados estranhos, inferiores e incompatíveis, e tratam de “purificá-los” por meio da violência, da perseguição e da exclusão. Escrevi esse livro como um “alerta da história” no contexto da obsessão europeia com a imigração, e a retórica prevalente que representa a imigração muçulmana, em especial, como uma ameaça existencial e cultural. Por isso, escrever sobre imigrantes, refugiados e fronteiras é, de muitas formas, uma progressão lógica.

IPS: Você disse que demorou dois anos e meio para concluir a investigação e escrever o livro. O que pode nos contar sobre essa experiência? O que foi mais importante e como mudou sua vida?

MC: Cada livro que se escreve muda a gente, de certa forma, sua maneira de pensar, e este não foi exceção. Percorrendo as fronteiras ouvi constantemente algumas histórias deprimentes. Quando comecei estava impressionado pelo que ouvia, mas em pouco tempo os mesmos relatos se tornaram rotineiros. Ao mesmo tempo, me impactava a resiliência e a fortaleza de muitos imigrantes que conheci. Em todo lugar que fui, conheci homens e mulheres de organizações não governamentais e solidárias que se esforçavam ao máximo para ajudá-los. Sem sua ajuda nunca teria conseguido escrever o livro.

IPS: Em seu último livro, você costuma se referir à história da Europa para descrever atrocidades e situações dolorosas que os imigrantes devem enfrentar. A história está se repetindo?

MC: Não diria que se repete. Contudo, tanto a União Europeia como Fortress Europe são produtos da história e há, com certeza, determinadas continuidades e semelhanças perturbadoras entre o atual tratamento dado pelos países do bloco aos imigrantes ilegais e aos refugiados e a forma como se comportaram no século 20 com universos populacionais semelhantes. A perspectiva histórica pode, eu espero, nos ajudar a recordar as consequências perigosas dos atuais “regimes migratórios”, e também promover a busca de alternativas mais humanas e coerentes para essas políticas.

IPS: Com o acordo de Schengen de 1985, que eliminou os controles limítrofes entre os países europeus, o continente foi elogiado por suas “políticas sem fronteiras”. Mas seu livro mostra as violações aos direitos humanos que ali ocorrem. Quais efeitos podem ter estas práticas sobre a reputação da Europa?

MC: Uma das razões pelas quais a União Europeia colocou os direitos humanos no centro de sua identidade política foi porque queria se diferenciar dos catastróficos acontecimentos da primeira metade do século 20. Os atuais esforços para “endurecer” os controles fronteiriços contribuíram para criar situações nas quais imigrantes ilegais são expostos rotineiramente a morte, violência, marginalização e assédio oficial. Estas consequências costumam ser consideradas naturais ou passar despercebidas para o público em geral, mas representam uma contradição flagrante entre o compromisso da Europa com os direitos humanos, a abertura e a solidariedade, e a forma com que esses princípios são implantados no terreno.

IPS: Em seu livro, você diz que o jornalista nigeriano Emmanuel Mayah se fez passar por imigrante, cruzou o Saara e subiu em caminhões lotados de gente para chegar à Espanha. Por acaso seu exemplo poderia servir de inspiração para uma sequência de Fortress Europe?

MC: Tomara, mas creio que a história das travessias pelo Saara é algo que ninguém mais deve relatar. É, sem dúvida, uma história muito difícil de contar agora devido à atual situação no Mali e na Líbia, por exemplo, e qualquer jornalista que optar por empreender a iniciativa deverá ser muito mais intrépido do que sou, e necessitará de muita sorte. Não acredito ser um camaleão de sucesso para estar encoberto. Minhas possibilidades de atuação são limitadas. Envolverde/IPS