No dia 15 de setembro de 2008, estourou a notícia do pedido de falência do quarto maior banco do mundo, o Lehman Brothers. O desabar ruidoso da centenária instituição tornou-se o símbolo e a espoleta de um colapso econômico que se estende até hoje. Três anos depois, tudo se passa como se a maior crise do capitalismo desde 1929 não tivesse origem, nem causas. Ou melhor, como se a sua causa fossem Estados fiscalmente destroçados no socorro aos mercados que agora, de própria voz, ou por meio de seu dispositivo midiático, cobram austeridade, cortes de gastos e juros escorchantes para financiar o déficit público.
Os mercados financeiros são autorreguláveis. Os mercados financeiros sabem alocar recursos ao menor custo, com maior eficiência. Os mercados financeiros dispensam o planejamento público; tornam irrelevante a intervenção do Estado na economia. Até 15 de setembro de 2008, apesar dos indícios robustos em sentido contrário, o mantra das finanças desreguladas continuava a martelar sua supremacia urbi et orbi.
Os sinais de que as coisas não iam bem piscavam no painel de controles para quem quisesse enxergar. O Bear Stearns havia quebrado sendo adquirido pelo JP Morgan, numa operação de resgate com aportes de pai para filho fornecidos pelo FED (Federal Reserve). As gigantes do crédito imobiliário norte-americano, Fannie e Freddie, respiravam por aparelhos com oxigênio do banco central norte-americano. O medo flertava com o pânico à noite. Pela manhã, no entanto, os executivos do governo, os operadores das finanças e seus ventríloquos na mídia reafirmavam a autossuficiência dos mercados nos ajustes necessários.
Mas, na segunda-feira, dia 15, logo cedo, num cochilo do governo Bush, ou quem sabe num delírio de fé neoliberal na proficiência purgativa dos mercados, estourou a notícia do pedido de falência do quarto maior banco dos Estados Unidos, o Lehman Brothers.
O desabar ruidoso da centenária instituição tornou-se o símbolo e a espoleta de um colapso econômico que já dura três anos. Nesse meio tempo, o desemprego arrebanhou mais de 40 milhões no mundo, o total de famintos ultrapassou a marca de um bilhão de pessoas, o PIB mundial esfarelou e caminha de lado, milhares de empresas quebraram, e dezenas de milhares de famílias sofreram o desmonte típico dos períodos de desmanche econômico, psíquico e social.
Ainda não foi suficiente para que a lógica geradora da crise deixasse de ser prescrita como terapia para o doente.
Não é preciso ir à Europa onde a social-democracia, de mãos dadas com o FMI, este mais moderado que aquela, comete a eutanásia do que resta do Estado do Bem-Estar Social, adotando o arrocho fiscal para acalmar credores inquietos com Tesouros falidos.
Tampouco é necessário atravessar o Atlântico para documentar as turquesas de tibiez democrata e extremismo neoliberal republicano que espremem e imobilizam a maior economia capitalista da terra. Fiquemos por aqui onde a oferta não decepciona.
No dia 25 de agosto, por exemplo, a fina flor da sapiência tucana reuniu-se no Instituto Fernando Henrique Cardoso para refletir sobre a oportuna pauta “Transição incompleta e dilemas da (macro)economia brasileira”. Estavam ali expoentes da cepa que hoje, em plena crise mundial, seriam a voz e o comando do Estado brasileiro se a coalizão demotucana e não o PT tivesse vencido o pleito de 2010. Participaram os economistas André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e Pérsio Arida, “pais” do Plano Real, ademais de ex-presidentes e ex-diretores do Banco Central.
O fruto do ventre tucano não se deu por vencido. E dobrou a aposta na agenda do neoliberalismo ao propugnar um novo degrau de desregulação radical da economia brasileira, com perorações desabridas por maior redução do papel do Estado na sociedade, privatizações, livre conversão da moeda e, portanto, absoluta liberdade de circulação de capitais.
Três anos depois, tudo se passa como se a maior crise do capitalismo desde 1929 não tivesse origem, nem causas. Ou melhor, como se a sua causa fossem Estados fiscalmente destroçados no socorro aos mercados que agora, de própria voz, ou por meio de seu dispositivo midiático, cobram austeridade, cortes de gastos e juros escorchantes para financiar o déficit público. Ou então, como ocorre no Brasil, negam à sociedade o direito a um Estado capaz de prover um atendimento de saúde digno, para não tributar as finanças.
Discutida no Congresso desde junho de 2008, a Contribuição Social para a Saúde (CSS) propiciaria à saúde pública recursos vinculados e intransferíveis, constituindo-se assim num imposto mais eficiente e justo que a CPMF extinta pelo conservadorismo nativo em 2007. Mas um destaque apresentado pelo DEM veta a taxação de 0,1% sobre movimentações financeiras. Sem ela, o novo tributo se torna inviável. As finanças são poupadas. A fila do SUS estrebucha.
A amnésia da opinião pública inoculada pela mídia do dinheiro ameaça o mundo com um upgrade neoliberal de consequências devastadoras para uma economia e uma sociedade exauridas por três anos de penalizações. Por isto, é importante lembrar. E refletir sobre as causas e consequências daquela falência de 15 de setembro de 2008, que funcionou para a crise como uma espécie de terceira torre do World Trade Center. Com a diferença que o seu efeito dominó ainda não cessou.
* Publicado originalmente no site Agência Carta Maior.