Não surpreende que na Rio+20 se tenha decidido deixar para 2014 a fixação de metas para o desenvolvimento sustentável, a vigorarem a partir de 2015 – de modo parecido com o que se fez na Convenção do Clima, deixando para 2015 a definição de compromissos de redução de emissões poluentes para cada país, mas a serem cumpridos só a partir de 2020. Como o tema inclui também a chamada “economia verde”, igualmente discutida no Rio de Janeiro, as definições são dificílimas, envolvem a produção e os seus caminhos em cada país e no mundo. E aí o carro pega.
Quem leu na última segunda-feira o relato do correspondente do jornal O Estado de S. Paulo em Genebra, Jamil Chade, sobre as mudanças no panorama mundial, com os organismos econômicos questionando “a fronteira entre nações ricas e emergentes”, tem ideia da dificuldade das transformações propostas para cada país, considerados o seu nível de riqueza, tipos de exportação e importação, obrigações equivalentes. Quem é Primeiro Mundo hoje? E quem se inclui no campo da pobreza, entre as 194 nações, se um terço da humanidade ainda cozinha em fogões a lenha (Ladislau Dowbor, Eco 21, maio de 2012)? Se já se produzem no mundo 2 bilhões de toneladas anuais de grãos, suficientes para prover cada família de quatro pessoas com 800 gramas diários? Se o PIB mundial de US$ 63 trilhões anuais, distribuído igualitariamente, desse a cada uma dessas famílias US$ 5.400 mensais? Mas como vencer a resistência e mudar critérios para 737 grupos corporativos, 75% dos quais de intermediação financeira, que “controlam 80% do sistema corporativo mundial”?
A “economia verde”, disse o secretário-geral da reunião, Sha Zukang, não trata apenas de “baixo carbono”, tem de ser “discutida no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza”. Mas a Cúpula dos Povos não gostou: a proposta não criticava o capitalismo, as “suas formas de dominação”; seria apenas um “disfarce para mais negócios e exploração dos ecossistemas”, com a ajuda de “tecnologias transgênicas e da biologia sintética” (Agência Brasil, 14/5). Ao longo dos debates, muitas críticas se centraram nas políticas de países que subsidiam fertilizantes inorgânicos, combustíveis fósseis e energias insustentáveis; contribuem para a perda da biodiversidade, com subsídios a certas culturas; e para a redução de empregos no campo, com mecanização acelerada. As operações na agricultura – acentuou-se – contribuem, só elas (fora mudanças no uso da terra e desmatamentos), com 13% das emissões globais, fora as de óxido nitroso (58%) e de metano (47%).
Quem mudará ou quer mudar esse panorama, restaurar a fertilidade do solo com insumos naturais e nutrientes “sustentáveis”? Quem será capaz de “integrar lavoura, floresta e pecuária”? Reduzir insumos químicos e herbicidas? Implantar técnicas de manejo biológico? Reduzir desperdícios na área de alimentos (1,3 bilhão de toneladas anuais, segundo a ONU)? Transferir gratuitamente tecnologias para países mais carentes, de modo a poderem caminhar nessas direções? Determinar que compras governamentais (10% do PIB) tornem prioritários esses caminhos, inclusive na exportação? E como chegar a tudo sem impor penalidades ou barreiras comerciais?
Documentos da ONU (Boletim do Legislativo n.º 2/12, Senado Federal) chegam a dizer que a transformação resultará em “melhoria do bem-estar humano e da isonomia social”, e ainda com “significante redução de riscos ambientais e de escassez ecológica”. Por aí se chegaria ao “bem-estar intertemporal das futuras gerações”, à eliminação de “efeitos da degradação ambiental na oferta agregada”; também a um processo que conduzirá a “uma nova estratégia” e aos financiamentos globais para a “economia verde”. Mas – frisam – não podem ser criadas “barreiras ambientais”. E será preciso reformar o “regime global do direito de propriedade”. Tudo se completará com incentivos para a “economia verde” no valor de 2% do PIB mundial, ou US$ 1,3 trilhão por ano. Por esses caminhos se conseguirá – dizem os documentos – um ganho de 60% na eficiência energética (prédios, indústria, transporte). Entrará na economia o pagamento por serviços ambientais.
A simples enumeração dos objetivos e dos caminhos mostra o quanto é complexa, controvertida, delicada a questão. Mesmo sem entrar em questões decorrentes dessas estratégias. Como, por exemplo, saber onde atuar e de quem cobrar os custos. Na exportação de commodities de países “em desenvolvimento” para países industrializados, por exemplo, quem paga: quem exporta ou quem consome? É discussão semelhante à que ainda não tem solução no âmbito da Convenção do Clima, quando se trata de saber se a redução de emissões cabe aos países que exportam produtos industriais que implicam essas emissões (como os chineses) ou aos países que os importam (como os Estados Unidos, a Alemanha e outros). É o mesmo caso da taxação sobre emissões de empresas aéreas ou de navegação marítima (5% das emissões totais): onde fazê-lo, nos países de origem das viagens ou de destino? E os países no meio do caminho?
E quando se pensa em cobrar por serviços naturais – como na agricultura, por exemplo? Há estudos que mostram um valor de trilhões de dólares anuais para serviços prestados gratuitamente pela natureza – fertilidade do solo, regulação do clima e do regime hidrológico, etc. Vão ser incluídos nos preços de exportação? E nos internos? Países em desenvolvimento (inclusive o Brasil) temem que questões como essa acabem resultando na imposição de barreiras comerciais. Ou em restrições à soberania no uso de recursos naturais.
A tese da “economia verde” é atraente. Mas seus caminhos estão povoados de obstáculos de natureza variada. Mesmo em 2014 não será fácil avançar. As realidades de um mundo diversificado – e em crise – continuarão muito fortes.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site do jornal O Estado de S. Paulo.