Não é novidade a discussão sobre a aceitação, por professores – de todos os graus, do antigo primário ao universitário ?, de atentados à norma culta da língua portuguesa do Brasil.
Em 1919, o senador Rui Barbosa escreveu em célebre réplica ao projeto de Código Civil elaborado por Clóvis Beviláqua e aprovado na Câmara dos Deputados:
“Depois então que se inventou, apadrinhado com o nome insígne de Alencar e outros menores, ‘o dialeto brasileiro’, todas as mazelas e corrutelas do idioma que nossos país nos herdaram cabem na indulgência plenária dessa forma de relaxação e do desprezo da gramática e do gosto. (….) Ao sentir de tal gente, quanto mais ofender a linguagem os modelos clássicos, tanto mais melodias reúne; quanto mais distar do bom português, mais luminosidade encerra”.
Clóvis Rossi produziu na Folha de S. Paulo do dia 15, sob o título “Inguinorança”, uma diatribe contra os “padrões educacionais agora adotados pelo mal chamado Ministério da Educação (MEC). Você deve ter visto que o MEC deu aval a um livro que se diz didático no qual se ensina que falar ‘os livro’ pode”.
O aluno paga o pato
Indignação procedente, mas dirigida apenas ao laxismo de uns (MEC) e à preguiça (termo usado pelo autor) de outros (professores). Faltou dizer o mais importante: os alunos de professores que endossarem esse método sofrerão a vida toda com a incapacidade de dominar, minimamente que seja, a norma culta da língua.
Uma fundamentação simples e sensata da afirmação feita acima pode ser encontrada na Nova Gramática da Língua Portuguesa, de Celso Cunha e Lindley Cintra (1ª edição, 1985):
“Todas as variedades linguísticas são estruturadas, e correspondem a sistemas e subsistemas adequados às necessidades de seus usuários. (….) A língua padrão (….), embora seja uma entre as muitas variedades de um idioma, é sempre a mais prestigiosa, porque atua como modelo, como norma, como ideal linguístico de uma comunidade. Do valor normativo decorre a sua função coercitiva sobre as outras variedades, com o que se torna uma ponderável força contrária à variação”.
Não perderá tempo o leitor que percorrer nesse volume as páginas dos “Conceitos Gerais – Linguagem, Língua, Discurso, Estilo”, especialmente o tópico final, “A Noção de Correto”.
Como aqui se trata de jornalismo, socorremo-nos do craque Lago Burnett, antigo chefe do copidesque do falecido Jornal do Brasil e autor do primeiro manual de redação do matutino. Em 1976, ele publicou A Língua Envergonhada e outros escritos sobre comunicação jornalística, de onde são extraídas as passagens seguintes (3ª edição, 1991):
“Escrevendo, porém – e é com isso que não se conformam os que não sabem escrever –, estamos nos expondo à crítica implacável dos que sabem e oferecendo um exemplo aos que sabem menos do que nós. Daí a responsabilidade – mais do que isso, o dever – de escrever corretamente”.
“Como não sabe escrever e não consegue entender as noções rudimentares do bem-fazê-lo, (o brasileiro) assume uma atitude de vindita tipicamente infantil: busca destruir as normas ou, na impossibilidade de consegui-lo, enxovalhá-las. E declara-se inimigo pessoal dos gramáticos, dos filólogos, dos lexicógrafos”.
Ler, compreender, apreciar
Todo o latinório sobre língua e liberdade, a despeito dos bons autores que frequentaram e frequentam esse território, e apesar de ser legítima a rebeldia contra “a falsidade dos postulados em que a gramática logicista e a latinizante esteavam a correção idiomática” (Cunha e Cintra, op. cit.), acaba sendo conduzido pela demagogia à vala comum estigmatizada por Burnett.
Mais prudente é seguir o conselho de Luiz Garcia no Manual de Redação e Estilo do Globo (1992):
“Em qualquer caso, a preocupação com o estilo – no artesão e no artista que convivem em cada jornalista – é indispensável para atrair a atenção do leitor.
“Este, ao passar os olhos pelo jornal, seleciona o que vai ler procurando aquilo que sente ser importante e o que lhe desperta a curiosidade. Só lerá de cabo a rabo aquilo que entender e de que gostar.
“É por isso que escrever bem é tão fundamental para o jornalista quanto apurar bem: de que vale a notícia cuja apresentação não a faz lida, compreendida, apreciada?”
* Publicado originalmente no site Observatório da Imprensa.