Rio de Janeiro, Brasil, 5/7/2011 – A legendária alegria brasileira começa a se refletir na fria realidade das estatísticas. Um estudo coloca números a esse estado de ânimo ao quantificar a significativa redução da desigualdade social nos últimos anos, superior à conseguida por outros países emergentes. A pesquisa “Os emergentes dos emergentes”, apresentada pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPS-FGV), compara o desempenho econômico-social do Brasil com o de China, Rússia, Índia e África do Sul, os outros membros do grupo Brics.
Esse conjunto de nações, que abriga atualmente mais da metade dos pobres do mundo, multiplicará por sete, até 2050, sua relação com a renda gerada pelo Grupo dos Sete países mais ricos do mundo, segundo destaca a introdução do estudo, realizado com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Baseado em índices do Gallup World Poll de 2009 sobre “o grau de satisfação de vida”, o coordenador do informe, Marcelo Neri, comparou “o índice de felicidade” entre os países do Brics.
Dessa forma estabeleceu que, enquanto no Brasil, em uma escala de 0 a 10, o índice de felicidade é de 8,7%, na África do Sul e Rússia é de 5,2%, e o da China e Índia de 4,5%. “Superamos os demais países”, comemorou Neri em entrevista à IPS. “Mas, melhor do que isso, o Brasil é o único dos Brics que melhorou no ranking mundial da felicidade, passando da posição 22, em 2006, para a 17, em 2009, acrescentou. Neri, que como economista tem o vício de comparar, diz que como brasileiro o faz ainda mais.
Ironizando o costume local de colocar-se como “os maiores do mundo” em qualquer item de análise, explicou que, embora integre o Brics, o que prefere de verdade é estar “entre os BIG”, em uma referência aos países que ganharam mais campeonatos mundiais de futebol, que são Brasil com cinco títulos, Itália com quatro e Alemanha com três. Brincadeira à parte, o que de fato deixa os brasileiros felizes não é nem o futebol e nem o carnaval, mas o vertiginoso ritmo de ascensão social da última década.
O estudo busca identificar, por exemplo, se o crescimento macroeconômico se reflete no bolso do cidadão comum e os setores beneficiados com isso em cada país. Com esse propósito, indica que entre 2003 e este ano cerca de 48,7 milhões de brasileiros saíram da pobreza e subiram nas classificações A, B e C. O critério utilizado pelos pesquisadores é colocar quem tem renda mensal maior ou equivalente a US$ 4.215 na classe A; os que recebem entre US$ 3.233 e US$ 4.215 na B, e os que estão entre US$ 750 e US$ 3.233 na C. Abaixo desse nível de renda fica a classe D, entre US$ 468 e US$ 750, e a classe E, que são os menos favorecidos, com renda abaixo de US$ 468.
Os milhões de pessoas que subiram para a classe média durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) o conseguiram, segundo Neri, graças à estabilidade econômica, ao aumento do emprego formal e a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.
“É como se uma Espanha ou uma Argentina completa tivessem saído da pobreza e entrado na classe média”, comparou Neri, que se declarou surpreso pelo “tamanho da nova classe consumidora”. E acrescentou: “É um contingente gigantesco de pessoas que se incorpora ao mercado, o que explicaria, por exemplo, a recentemente anunciada fusão entre as redes de supermercados Carrefour e Pão de Açúcar”. “Muitas pessoas agora querem comer mais e melhor”, afirmou.
Segundo o estudo, a nova dinâmica social fez com que a classe C seja agora a mais numerosa do Brasil, ao compreender 55% dos 191 milhões de brasileiros. Também se destaca que o surgimento de “uma nova classe emergente em um país emergente”, ocorre em um contexto de vertiginosa redução da desigualdade social. O Brasil é o país do Brics que, apesar de não crescer ao ritmo dos outros, conseguiu distribuir melhor sua riqueza, segundo essas estatísticas.
Um indicador dessa melhoria, segundo Neri, é que a renda familiar cresceu em um ano e meio 1,8% acima do produto interno bruto, enquanto na China essa relação é inversa quase na mesma porcentagem no período 2003-2010. “O microssocial está evoluindo melhor do que o macroeconômico, ao contrário dos outros países do Brics, concluiu o especialista.
Nos últimos dez anos, por exemplo, a renda de 50% dos mais pobres do Brasil cresceu 68%, enquanto a dos 10% mais ricos cresceu apenas 10%. No mesmo período, o Brasil teve o segundo melhor índice de crescimento anual de renda familiar na faixa de 20% dos mais pobres, com aumento de 6,3%, atrás da China, com 8,5%, e seguida de África do Sul com 5,8% e Índia com 1%.
“A desigualdade social cai no Brasil, enquanto aumenta em todos os outros países do Brics”, destacou Neri. O economista citou os casos de China e Índia, onde a classe social com renda maior e com maior formação profissional é a que melhora. No Brasil, por outro lado, esse crescimento ocorre nos setores tradicionalmente sem qualificação profissional e com históricas “relações quase de escravidão trabalhista”, como as empregadas domésticas e os trabalhadores gastronômicos e da construção, bem como os pequenos agricultores. Todos os que agora começam a se incorporar ao mercado formal de trabalho.
O economista Adhemar Mineiro, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos, atribui esses resultados aos aumentos do salário mínimo e, em menor medida, aos programas de transferência de renda adotados a partir da chegada de Lula ao governo.
“O que parece acontecer no Brasil, impulsionado também por essas políticas, é uma enorme expansão do crédito para consumo popular e, por fim, a ampliação da cidadania econômica, de consumo para uma importante parte da população”, disse à IPS Mineiro, também assessor da Confederação Sindical das Américas.
E também acrescenta um fator político e histórico. “No Brasil temos, após muitos anos, uma coincidência entre um ciclo democrático no campo político e um ciclo de crescimento econômico, como não ocorria desde a segunda metade da década de 1950”, ressaltou.
No entanto, alertou que existe uma “certa soberba” em considerar que a população que sai da miséria “quase imediatamente se transforma em uma nova classe média”. Um fenômeno no qual – esclareceu – devem ser medidos outros componentes, não apenas econômicos, mas também sociológicos e antropológicos.
“É fundamental verificar se, com a continuidade desse processo, essa expansão do consumo poderá se transformar em motor de crescimento da economia, gerando um processo estrutural de longo prazo ou se os setores conservadores insistirão na integração do país ao mercado mundial como exportador de matérias-primas agrícolas e minerais como ocorre agora”, afirmou.
Apesar do otimismo e da “felicidade”, Neri também admitiu que o caminho a percorrer ainda é longo, pois 24 milhões de brasileiros ainda estão excluídos dos benefícios econômicos. Um caminho longo para mudar a lógica expressa na canção de Vinicius de Morais e Tom Jobim, que no refrão diz: “Tristeza não tem fim… felicidade sim”. Envolverde/IPS