Washington, Estados Unidos, novembro/2011 – A primeira Cúpula Mundial de Microcrédito aconteceu em 1997. Quando, nove anos depois, os delegados se reuniram na Cúpula de Halifax, Canadá, havia sido anunciado que Muhammad Yunus dividiria o Prêmio Nobel com o Grameen Bank, que ele fundara há décadas.
Um ano antes, a Organização das Nações Unidas havia celebrado o Ano do Microcrédito e exatamente um ano depois a Campanha da Cúpula do Microcrédito ultrapassou a meta fixada em 1997 de chegar a cem milhões de famílias mais pobres do mundo com créditos para o autoemprego e outros serviços comerciais. Esses foram tempos emocionantes para o setor das microfinanças.
Agora, cinco anos depois, dois mil delegados se reunirão na cidade espanhola de Valladolid, entre 14 e 17 de novembro, para a Cúpula Mundial do Microcrédito 2011. E desta vez os delegados se encontrarão em um ambiente muito desafiador. No começo deste ano, Yunus foi forçado a renunciar ao Grameen Bank devido a uma série de arrepiantes atos do governo de Bangladesh que, para muitos, implicam um retrocesso quanto à atribuição de poderes às mulheres nesse país.
Por muitos anos, o microfinanciamento foi anunciado como um fascinante caminho novo para atacar a praga da pobreza. Um encontro ocorrido em Bangladesh, há 15 anos, demonstra seu potencial como elemento transformador. Uma amiga norte-americana entrevistava em uma aldeia um tomador de empréstimo que lhe disse, por intermédio de um intérprete, que seu filho começaria a escola no ano seguinte.
“Você ou sua mulher sabem ler ou escrever?”, perguntou minha amiga.
“Não”, respondeu o camponês, receptor de um microcrédito.
“Sua mãe e seu pai sabem ler ou escrever?”, continuou minha amiga.
“Não”, respondeu o camponês.
Neste ponto, minha amiga compreendeu que assistia ao fim de um analfabetismo intergerações e provavelmente também da pobreza intergerações.
Enquanto histórias desse tipo continuam ocorrendo atualmente, agora a elas acrescentam-se histórias de superendividamento e de temores de que uma parte do setor das microfinanças perdeu seu rumo. Um olhar na agenda da próxima Cúpula do Microcrédito na Espanha mostra uma indústria que começou a enfrentar suas falências. Em resposta a pouco claras taxas de juros e acusações de usura, Check Waterfield criou o MicroFinance Transparency e escreveu uma proposta para a Cúpula de enfrentamento desses problemas. Além disso, Beth Rhyne, diretor do Center for Financial Inclusión em Acción, escreveu um texto sobre a proteção do cliente, um problema que ninguém pensara há alguns anos que deveria ser abordado no setor do microcrédito. E a diretora da Social Performance Task Force, Laura Foose, apresentará uma iniciativa para que a organização dê tanta atenção à questão social quanto o faz na parte financeira.
O que resulta crucial em tais iniciativas é que não são de pura fachada, mas tentam corrigir situações que estão se convertendo cada vez mais em problemas centrais no microcrédito. No entanto, a Cúpula não deverá se concentrar só nesses problemas. Os delegados também aprenderão com instituições nas quais dezenas de milhares de empréstimos para estudantes e bolsas de estudo vão para crianças cujos pais são analfabetos, e de programas para quem está na extrema pobreza em áreas rurais e nas cidades. Também aprenderão como há organizações vinculando os microfinanciamentos com a saúde e a energia limpa, a agricultura e a água potável. As discussões incluirão inovações em matéria de poupança e microsseguros, bem como em bancos móveis e microfinanças islâmicas.
Muitos argumentarão que o caminho sem restrições para maximizar os ganhos, adotado por algumas instituições, levou o setor a este ponto e este será um dos temas do debate.
Precisamente sobre o tema da maximização do lucro, Yunus, ao refletir sobre a Cúpula do Microcrédito de 1997, escreveu em seu livro Banqueiro dos Pobres: “Ao estudar economia, aprendi sobre dinheiro, e agora, como diretor de um banco, empresto dinheiro e o sucesso de nossa empresa depende de quantas notas amassadas têm agora em suas mãos nossos antes famintos membros. Contudo, o movimento do microcrédito, construído ao redor do dinheiro, por e com dinheiro, ironicamente não tem em sua alma nada a ver com o dinheiro. Trata-se, em sua essência, de ajudar cada pessoa a alcançar seu completo potencial. Não se trata de capital efetivo, mas de capital humano. O dinheiro é uma mera ferramenta que libera os sonhos humanos e ajuda inclusive os mais pobres e mais desafortunados do planeta a adquirir dignidade e significado em suas vidas”.
Estas palavras são válidas para todos os seres humanos e não só para os que integram o setor das microfinanças. Envolverde/IPS
* Sam Daley-Harris é cofundador da Campanha da Cúpula do Microcrédito e fundador do Results.