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O monge tibetano que colocou a Espanha em problemas

O monge budista Thubten Wangchen desatou um tempestade na Espanha pelos direitos humanos no Tibete. Foto: Saransh Sehgal/IPS
O monge budista Thubten Wangchen desatou um tempestade na Espanha pelos direitos humanos no Tibete. Foto: Saransh Sehgal/IPS

Barcelona, Espanha, 18/3/2014 – Thubten Wangchen, um monge budista tibetano nacionalizado espanhol, se converteu em pedra no sapato do governo da Espanha, quando uma demanda sua levou o juiz Ismael Moreno, da Audiência Nacional, a expedir ordens internacionais de prisão contra altos dirigentes chineses. Thubten denunciou, por suposto genocídio cometido no Tibete, os ex-presidentes Jiang Zemin (1993-2003) e Hu Jintao (2003-2013), o ex-primeiro ministro Li Peng (1987-1998) e outros ocupantes de altos cargos do governante Partido Comunista da China.

O processo buscava julgar esses ex-dirigentes chineses por sua responsabilidade em torturas, execuções e “políticas de planejamento familiar que incluíram abortos generalizados e estilizações forçadas” contra a população do Tibete. Em fevereiro, o juiz determinou à Interpol que emitisse uma ordem de prisão, com captura e prisão contra os acusados de genocídio, torturas e crimes contra a humanidade.

A China protestou imediatamente pela ingerência da Espanha no que chamou de assuntos internos. Pouco depois, seu Ministério das Relações Exteriores recordou a Madri que, no futuro imediato, deverá honrar os empréstimos que Pequim lhe fez. “Esperamos que o governo espanhol possa distinguir o bom do mau”, declarou a porta-voz da chancelaria chinesa, Hua Chunying, depois que o juiz determinou as detenções.

A China é um credor importante da Espanha. Pouco depois, o parlamento admitiu, no dia 29 de fevereiro, o trâmite de uma proposta do governante e direitista Partido Popular (PP) para limitar os poderes dos tribunais nacionais para casos de genocídio e outros crimes contra a humanidade cometidos no exterior.

O PP apresentou um projeto para reformar a Lei Orgânica do Poder Judicial com tramitação de urgência, para limitar a jurisdição universal, que na prática torna quase impossível aplicá-la na Espanha. O parlamento processou em tempo recorde a reforma que, após sua publicação no Diário Oficial do Estado, entrou em vigor no dia 15. Agora, os partidos da oposição acusam a China de pressionar para que a Espanha ignore seus compromissos sobre direitos humanos.

Para Thubten, a reforma “é uma triste notícia, não só para o povo tibetano, mas também para o da Espanha. O PP está cedendo à pressão chinesa pela economia e pela dívida”. Se isso continuar, ponderou, “dentro de 15 anos os espanhóis dependerão dos chineses para conseguir emprego e bem-estar”. Várias organizações de direitos humanos, com Anistia Internacional e Human Rights Watch, denunciaram a reforma em carta aberta como “um golpe devastador para a jurisdição universal e para as obrigações internacionais da Espanha, que garantem que os crimes graves não fiquem impunes”.

Thubten e seus amigos apelaram para a Lei Orgânica do Poder Judicial, de 1985, que permite julgar suspeitos de abusos dos direitos humanos cometidos no exterior. Os juízes espanhóis invocaram essa doutrina da jurisdição universal para investigar crimes de lesa humanidade, especialmente vários cometidos em países da América Latina.

A lei foi aplicada para prender, em 1998, o ex-ditador chileno general Augusto Pinochet em Londres, por ordem do juiz espanhol Baltasar Garzón. Tribunais espanhóis também tentaram processar o líder da rede extremista Al Qaeda, o saudita Osama bin Laden, entre outros. Mas, na prática, pouquíssimos casos chegaram a julgamento.

Thubten, que nasceu no Tibete em 1954, se exilou com sua família no Nepal em 1959, mesmo ano em que o líder espiritual Dalai Lama fugiu para a Índia. Em 2006, introduziu a denúncia na justiça espanhola, junto com as organizações não governamentais Comitê de Apoio ao Tibete e Casa do Tibete. “A motivação de levar adiante esse caso busca somente que o mundo conheça a realidade do sofrimento tibetano sob o regime chinês”, enfatizou o monge.

Os casos de imolações em protesto pela repressão de Pequim no Tibete chegam a 127, destacou Thubten. “Com uma enorme presença militar chinesa controlando a população, os tibetanos vivem sob repressão constante, sem liberdade de religião ou de movimento”, acrescentou. O monge pede uma política europeia única sobre direitos humanos em relação à China. “Pedimos à União Europeia que desempenhe um papel mais importante, designando um coordenador especial para o Tibete”, ressaltou. Envolverde/IPS