Madri, Espanha, julho/2011 – O mundo tem conserto:
1) Se for consolidada a democracia e os políticos levarem na rédea em lugar de ceder à pressão das instituições financeiras, substituindo uma economia baseada na especulação por outra baseada no conhecimento.
2) Se diminuírem os investimentos em armas e gastos militares e se destinar mais fundos ao desenvolvimento global sustentável, aumentando consideravelmente o número de pessoas que se beneficiem do progresso.
3) Se for posto energicamente um fim aos paraísos fiscais e se implementar na prática, de uma vez, os mecanismos de financiamento alternativos como as taxas sobre transações eletrônicas.
4) Se se acabar, também de uma vez, com os grupúsculos plutocráticos do G-7, G-8, G20… impostos pelos “globalizadores”, e as Nações Unidas se reforçarem e adotarem os meios para cumprir suas missões de segurança territorial em nível mundial; fazer respeitar o Direito Internacional; incluir a Organização Mundial do Comércio e fazer com que o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional cumpram suas missões originais; interpor rapidamente os capacetes azuis, em lugar de serem testemunhas impassíveis de genocídios e violações maciças dos direitos humanos; coordenar ações dos capacetes vermelhos, especialmente preparados para reduzir o impacto de catástrofes naturais ou provocadas…
5) Se for adotada a decisão de, da noite para o dia, as drogas não valerem nada, sendo encontradas disponíveis em todas as partes e a preços módicos, como ocorre com o álcool e o tabaco. Esta “legislação” estaria acompanhada, como deve ser, de uma campanha de dissuasão em todos os meios de comunicações, docentes, etc., e do tratamento dos viciados, para sua recuperação clínica.
6) Se em todo o mundo os cidadãos, conscientes do poder que lhes confere a participação não presencial, decidirem deixar de ser receptores resignados e passarem à ação.
O fracasso dos que pretenderam substituir o multilateralismo guiado pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos por um governo de uns poucos orientados pelo mercado, foi estrondoso. E pretendem continuar igual, impondo uma economia de especulação e de guerra valendo-se de um poder midiático imenso e algumas instituições “avaliadoras” que não souberam alertar quando das “bolhas”, mas que agora dão o alarme a favor dos grandes mercadores.
As mesmas receitas… Sem que lhes importe o sofrimento, as rupturas sociais, o medo que atemoriza tantos e tantos seres humanos em todo o planeta. Mercado, mercado e política externa e de defesa como sempre, porque uns poucos estão para mandar e o resto para obedecer.
Depois das grandes guerras, sempre houve ideais, sempre houve utopias e esperança de iluminar os caminhos do amanhã com a paz, com a igual dignidade humana, com a convivência harmoniosa. Porque alguns valores indiscutíveis -justiça, liberdade, fraternidade – mobilizavam e davam sentido à vida de muitos cidadãos.
A grande diferença com a situação atual é o vazio espiritual, intelectual, anímico, que rende e paralisa muita gente, porque pretende, e em boa parte consegue, que todo o espaço se encha de entretenimento, de bens materiais, de passatempos… De pessoas dóceis e resignadas, que permitem que sua vida transcorra ao sabor de acontecimentos supranacionais, que se apresentam inexoráveis.
Até quando a maioria da população continuará deixando, impassível, que as coisas aconteçam “como sempre”? Creio que já não será por muito tempo. Porque a nova tecnologia da comunicação permite a progressiva participação das pessoas, hoje espectadoras, e começarão a formar a rede global que tanto em escala mundial quanto local fortalecerá a democracia genuína; a transição de uma cultura de imposição, violência e guerra para uma cultura de diálogo, conciliação e paz; de uma estratégia de segurança exclusivamente territorial para uma de segurança alimentar, de saúde, frente às catástrofes; de uma economia de mercado para uma economia global sustentável…
O mundo tem conserto. Mas não será o G-20 ou a “solução Bush” que resolverão os problemas do mundo. Nem “resgatando” banqueiros irresponsáveis com dinheiro público. Nem deslocando a produção por “cobiça alheia”. Nem investindo milhares de milhões em artefatos de defesa e segurança próprios de confrontos passados. Nem permitindo que o mercado continue prevalecendo sobre a justiça social. Nem permitindo a vergonha dos paraísos fiscais. Nem mantendo as pessoas distraídas e obcecadas nos novos circos reais e virtuais do Século 21.
Nem com fórmulas de ontem se resolverá os desafios de hoje e de amanhã.
Será com imaginação. Será inventando o futuro.
Será aplicando soluções propostas por pessoas confiáveis. “Nos momentos de crises, somente a imaginação é mais importante do que o conhecimento” (Albert Einstein). E outra: “Toda mudança é possível… Nenhum desafio está fora do alcance da criatividade humana (John F. Kennedy). José Monleón, em seu excelente ensaio sobre “Crises, Cultura e Democracia” cita Amin Maalouf quando escreve: “A humanidade está enfrentando perigos previamente desconhecidos, que exigem soluções globais previamente desconhecidas”.
O por-vir – gosto de repetir – está por-fazer. Um mundo novo à altura da dignidade humana poderia, finalmente, ser construído no alvorecer do Século 21. IPS/Envolverde
* Federico Mayor Zaragoza, ex-diretor-geral da Unesco, é presidente da Fundação Cultura de Paz e presidente da agência IPS. Esta coluna é parte textual de seu último ensaio Delito de Silêncio (Editora Comanegra).