A partir da esquerda: Merila Zarei (atriz), Asghar Farhadi (diretor de Uma Separação) e Tahmineh Milani (diretora). Foto: CC BY 2.0

Nova York, Estados Unidos, 1/3/2012 – No contexto das delicadas relações entre Estados Unidos e Irã pelo programa nuclear de Teerã, talvez, nada como o Oscar obtido pelo filme iraniano Uma Separação possa ter colocado um sorriso no rosto de milhões de iranianos, mais habituados nos dias de hoje às más notícias. Escrito e dirigido por Ashghar Farhadi, o filme entrou no dia 26 para a Academia das Artes e das Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos com o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro. O aclamado e poderoso drama conquistou o primeiro Oscar da história do cinema iraniano com uma complexa história que capta a essência da vida cotidiana e das dificuldades de ser honesto em um contexto que torna isso difícil.

Em 1997, o filme Children of Heaven (Crianças do Paraíso), de Mayid Mayidi, também foi indicado para um Oscar na mesma categoria, mas perdeu para o italiano A Vida é Bela. “A posição de A Separation (título em inglês), ultrapassou o cinema iraniano independente. Agora representa a esperança nacional”, disse à IPS por telefone, de Teerã, a destacada diretora iraniana Tahmineh Milani. “Muitas pessoas precisam que este filme seja realmente um sucesso, como uma esperança, porque a sociedade iraniana está tão deprimida, especialmente os jovens, que o prêmio criou esperança e solidariedade entre as pessoas”, ressaltou.

O filme, distribuído no mercado mundial em espanhol sob o título Nader e Simin, uma Separação, descreve um casal lutador de classe média, cujos valores morais são colocados à prova quando um incidente revela camadas ocultas da personalidade e dignidade dos personagens. Em janeiro, quando o filme ganhou um Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua Estrangeira, Farhadi fez um breve discurso dizendo que os iranianos são um “povo pacífico”.

Farhadi recebeu várias críticas por não aproveitar a oportunidade para enviar uma forte mensagem dessa posição única que concentrava a atenção de milhões de pessoas. Porém, o cineasta, conhecido por não se envolver em questões políticas, teve um discurso mais comprometido na 84ª edição do Oscar, que agradou não só a milhões de espectadores iranianos, como também às autoridades, golpeadas nos últimos meses pela comunidade internacional com duras sanções e ameaças de ataque militar contra suas centrais nucleares.

“Neste momento, muitos iranianos do mundo estão nos vendo, e imagino que estejam felizes”, disse Farhadi. “Estão felizes não apenas por um prêmio importante, um filme ou um diretor, mas porque quando os políticos trocam termos bélicos e falam de intimidação e agressão, o nome de seu país, Irã, aparece relacionado com sua gloriosa cultura, uma cultura rica e antiga, escondida pelo pó da política”, ressaltou.

Farhadi, que regressaria ao seu país pouco depois de sua viagem aos Estados Unidos, caminhou pela beira do precipício com um discurso neutro, sem identificar Irã ou Ocidente como origem das atuais tensões, e concentrou seu discurso no povo iraniano. “Ofereço com orgulho este prêmio à gente do meu país, aquela que respeita todas as culturas e as civilizações e despreza a hostilidade e o ressentimento”, acrescentou.

Merila Zarei, atriz de grande trajetória que atua em A Separation, declarou à IPS que “o fato de o filme ter sido realizado por um grupo de cineastas profissionais, e ter competido com produções de outras partes do mundo, é uma honra para a indústria cinematográfica iraniana e ajuda o cinema e a cultura de nosso país a serem reconhecidas. Talvez este Oscar seja um ponto de partida para que outros acompanhem com seriedade o cinema iraniano”.
Trabalhar com Farhadi foi uma experiência extraordinária para Zarei. “Foi como aprender em uma sala de aula. Nos ensinou tantos matizes com habilidade que influiu no fluxo de nosso trabalho. Creio que é o resultado de seu conhecimento, sua consciência e capacidade”, destacou.

O prêmio obtido pelo filme, cuja produção foi de apenas US$ 800 mil, chega em um momento em que a indústria cinematográfica iraniana está sob pressão das autoridades, especialmente após as eleições presidenciais de 2009. O governo fechou, em janeiro, a independente Casa do Cinema, a aliança iraniana do sindicato do cinema que tem mais de seis mil membros. Em setembro do ano passado, foram detidos cinco documentaristas, acusados de trabalhar ou cooperar com o serviço persa da BBC (rede de rádio e televisão da Grã-Bretanha). Nunca foram processados pela justiça e acabaram libertados algumas semanas mais tarde.

Um dos mais destacados cineastas do Irã, Jafar Panahi, foi condenado a seis anos de prisão e não pode filmar, nem dar entrevistas e nem viajar durante 20 anos por ter feito um filme sobre os distúrbios ocorridos após as eleições de 2009 e a consequente repressão. Seu companheiro Mohammad Rasoulof foi condenado a um ano de prisão.

“O ambiente foi muito limitado no ano passado e a inapropriada implantação de políticas levou a uma fase negativa no cinema patrocinado pelo governo”, explicou à IPS a cineasta Milani, ao ser consultada sobre a liberdade com que trabalham os realizadores no Irã. “Quando propomos temas e denunciamos falhas e deficiências, preparamos o terreno para o crescimento cultural e social”, afirmou à IPS em sua entrevista por telefone, de Teerã.

“Os artistas não são obrigados a dar remédios à sociedade. Só podem denunciar a dor. Quem deve fazê-lo e tem que encontrar uma solução é a pessoa no cargo de macrogerente do país. São essas críticas que resolvem o problema”, afirmou. “Porém, as autoridades dizem: ‘não temos problemas que devam ser expostos. Quem os expuser é meu inimigo’. Mas não é nada disso. Não me considero uma pessoa que goste de política, mas não posso negar minha reação diante das falhas ou dos profundos problemas sociais, não posso ficar calada”, ressaltou.

O Oscar culmina um ano de grandes prêmios para A Separation, que começou quando foi o grande vencedor do Festival de Berlim 2011, ao ganhar o Urso de Ouro como melhor filme e também receber os prêmios de melhor atriz e melhor ator. Após uma sequência triunfal por festivais de diversos continentes, desde janeiro recebeu o César, da academia francesa para melhor filme estrangeiro, o do Círculo de Críticos de Nova York e o da Associação Nacional de Críticos dos Estados Unidos na mesma categoria, entre outras distinções. Envolverde/IPS