O Pantanal Mato-grossense, uma planície de inundação que ocupa as regiões Sul de Mato Grosso e Noroeste do Estado de Mato Grosso do Sul, é muito conhecido pela comunidade científica e pelo público em geral, principalmente pela exuberância de sua fauna e flora e pela grande heterogeneidade de ambientes que possui. No entanto, Mato Grosso (e parte de Tocantins) possui outra grande planície localizada na porção Nordeste do estado, que é sazonalmente inundada pelo Rio das Mortes e pelo Rio Araguaia. Esta planície apresenta características evidentemente semelhantes às encontradas no Pantanal Mato-grossense, sendo por isto conhecida como “Pantanal do Araguaia”.
Tanto o Pantanal Mato-grossense quanto o Pantanal do Araguaia são considerados por Junk (1997) como pertencentes à mesma categoria de área úmida, ou seja, áreas periodicamente inundáveis (época chuvosa) que ocorrem em extensas depressões e são caracterizadas por um pulso de inundação monomodal. Estudos de Martini (2010), da Divisão de Sensoriamento Remoto do INPE, inclusive mencionam que o Pantanal do Araguaia, não sendo compartimentado como o seu par Mato-grossense, possivelmente é a maior área pantaneira contínua do Brasil.
O Pantanal do Araguaia é pouquíssimo conhecido e estudado. Várias características apresentadas por este ecossistema o levaram a ser classificado como “Pantanal”, entre as quais pode ser incluída a formação de lagoas, baías e brejos, cuja dinâmica é influenciada pelo regime hídrico e pela inundação sazonal, além da ocorrência de determinadas fitofisionomias, tais como os cambarazais (florestas monodominantes de Vochysia divergens), os campos de murundus (pequenos morrotes de terra com vegetação lenhosa associada, circundados por campo graminoso alagável), as florestas inundáveis e os muricizais (uma vegetação com predominância do murici) (Marimon & Lima 2001). Outra semelhança do Pantanal do Araguaia com o Pantanal Mato-grossense é a grande riqueza de espécies de plantas, tanto nos ambientes aquáticos quanto nos terrestres, e de animais residentes e migratórios. A exuberância de jacarés, peixes e aves são apenas algumas características comuns entre os dois pantanais.
Além da heterogeneidade de ambientes, a localização geográfica do Pantanal do Araguaia tem sido apontada como fator de expressiva influência sobre a elevada riqueza de espécies. O referido ecossistema se localiza em área de tensão ecológica entre os biomas Cerrado e Floresta Amazônica, resultando em grande mosaico vegetacional, que também influencia diretamente na composição da fauna e flora. Além disso, o Pantanal do Araguaia é considerado o berçário natural de peixes migratórios e abrigo de espécies amazônicas características de ambientes lênticos. Tais características contribuíram para que a região fosse apontada por diversos especialistas, das mais variadas áreas de estudo, como área prioritária para a conservação.
A despeito da relevante importância ecológica e conservacionista, o Pantanal do Araguaia há tempo vem sendo explorado por pequenos produtores que utilizam as áreas campestres como pastagem natural para o gado, que é criado solto em um sistema conhecido como “na larga”, onde o fogo é empregado no manejo do pasto. Além disso, a caça de animais silvestres e a pesca predatória ainda são práticas recorrentes. Buscando acabar com a exploração e preservar os recursos da região, o governo de Mato Grosso, através da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA) criou em 2001 o Parque Estadual do Araguaia (PEA), com área geográfica de 223.169,5 hectares, limitado pelo Rio das Mortes a oeste e pelo Rio Araguaia a leste. Contudo, a criação do PEA não resolveu todos os problemas do Pantanal do Araguaia. Os antigos moradores ainda não foram desapropriados e continuam criando gado dentro do Parque, sendo ainda comum a ocorrência de queimadas, que vem ameaçando a integridade da fauna e flora, especialmente as florestas inundáveis, localmente conhecidas como ‘impucas’. Apesar do apelo dos conservacionistas pela inclusão das pessoas no processo de gerenciamento de Unidades de Conservação, a atual situação no PEA é preocupante, tendo em vista o gradual comprometimento da biodiversidade local. Nesse sentido, ações visando a regularização da ocupação do Pantanal do Araguaia são urgentes.
Apesar desta situação, algumas iniciativas estão sendo tomadas. Pesquisadores vêm desenvolvendo estudos no PEA, como é o caso de um grupo da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), que recentemente publicou o livro “Pantanal do Araguaia: ambiente e povo” (Marimon et al. 2008). Nesta obra, são descritos vários aspectos do Pantanal do Araguaia e do PEA em particular, incluindo a localização geográfica, a vegetação, a fauna, a flora e algumas estórias folclóricas locais. Também merece destaque a implantação de uma brigada de incêndio, iniciativa da “Aliança da Terra”, uma instituição sem fins lucrativos, criada por produtores rurais, que vem atuando no combate e prevenção de incêndios que ocorrem no Parque e em outras propriedades circundantes. A SEMA-MT também vem intensificando suas ações no PEA, mantendo um controle mais efetivo sobre as ações predatórias.
Assim como o Pantanal Mato-grossense, a região do Pantanal do Araguaia apresenta grande potencial para o ecoturismo, entretanto, ainda falta investimento em estrutura, treinamento de pessoal e em iniciativas de divulgação das belezas naturais. A implantação de atividades ligadas ao ecoturismo poderá proporcionar o desenvolvimento sustentável, a geração de renda para os moradores locais e atrair investimentos visando a preservação da rica biodiversidade existente na região.
Bibliografia:
Junk, W.J. 1997. The Central Amazon Floodplain; ecology of a pulsing system. Springer-Verlag.
Marimon, B.S. & Lima, E.S. 2001. Caracterização fitofisionômica e levantamento florístico preliminar do pantanal dos Rios Mortes-Araguaia, Cocalinho, Mato Grosso, Brasil. Acta Botanica Brasilica 15(2): 213-229.
Marimon, B.S.; Marimon Júnior, B.H.; Lima, H.S.; Jancoski, H.S.; Franczak, D.D.; Mews, H.A.; Moresco, M.C. 2008. Pantanal do Araguaia – ambiente e povo: guia de ecoturismo. Cáceres-MT: Editora UNEMAT. 95p.
Martini, P.R. 2010. Áreas úmidas da América do Sul registradas em imagens de satélites. Relatório Técnico, Divisão de Sensoriamento Remoto, INPE. Disponível aqui.
*Henrique Augusto Mews é biólogo, doutorando em Ciências Florestais, Universidade de Brasília – UnB. Divino Vicente Silvério é biólogo, doutorando em Ecologia, Universidade de Brasília – UnB. Tassiana Reis Rodrigues dos Santos é bióloga, doutoranda em Botânica, Universidade de Brasília – UnB. Beatriz Schwantes Marimon é engenheira florestal, doutora em Ecologia, Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT