Rio de Janeiro, Brasil, 19/9/2011 – As bananas crescem onde antes se cultivava maçãs, a tradicional mandioca desaparece do Nordeste, e o Sudeste perde o aroma do bom café. É a ficção científica de uma nova distribuição de cultivos no Brasil, a potência agrícola sul-americana. O governo começa a se preparar para esta história de ficção científica com final aberto. Só há uma certeza, os maus não são extraterrestres nem robôs, mas a mais temível invenção humana: a mudança climática.
Em meio a oscilações de temperatura e desastres naturais, cada vez mais extremos e frequentes, os padrões do clima mudam as paisagens e podem mudar também seus frutos. “Ainda é cedo para dizer categoricamente que existem efeitos na agricultura”, disse o secretário-geral de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente brasileiro, Eduardo Assad. Entretanto, não é uma possibilidade distante, e o Brasil, como terceiro exportador mundial de produtos agropecuários, tem motivos para se preocupar, disse à IPS.
“Existe um aumento de fenômenos extremos, como altas temperaturas, que podem abortar as flores do café, ou baixas temperaturas em curto espaço de tempo, que provocam geadas mais severas no Sul e verões mais fortes, o que está causando a ruptura da produtividade nos cultivos de grãos e cana-de-açúcar”, acrescentou Assad a título de exemplo.
Em 2008, o professor Hilton Silveira Pinto, da Universidade de Campinas, e o ministro Assad, pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), coordenaram um estudo sobre o aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola brasileira. O trabalho já alertava que o aumento das temperaturas (com secas e inundações mais frequentes, entre outras consequências) poderia causar em 2020 perdas nas colheitas de grãos de até US$ 4,6 bilhões e, em 2070, de até US$ 8,7 bilhões. Se alteraria “profundamente a geografia da produção agrícola no Brasil”, dizia o estudo.
Segundo Assad, “há uma migração natural de determinados cultivos para o Centro-Oeste do país, mais estável em termos climáticos. É o caso da soja”. A área de plantação de café da espécie arábica está se reduzindo, sobretudo no Estado de São Paulo, e possivelmente seja substituído pela espécie robusta, de menos aroma e corpo, e por isso considerado de pior qualidade, acrescentou o ministro. Ao mesmo tempo, o tipo arábica poderia se expandir no Sul, se as modificações do clima reduzirem nessa região a frequência das geadas.
“No caso de a temperatura aumentar dois graus nos próximos anos, existe um estudo mostrando que a maçã de Santa Catarina poderá ser substituída pela banana”, disse Assad, ao definir este novo quebra-cabeça agrícola que o governo tenta antecipar ou amortecer. O estudo da Embrapa analisou nove cultivos brasileiros que ocupam 86% da área plantada: algodão, arroz, café, feijão, girassol, mandioca, milho, soja e cana-de-açúcar, e projetou seu futuro de acordo com diferentes cenários de elevação da temperatura traçados pelo IV Estudo de Avaliação do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática, divulgado em 2007.
A cana-de-açúcar, importante matéria-prima do etanol brasileiro, pode se expandir até duplicar a área plantada atual, afirma o estudo. Por outro lado, a mandioca, que é parte do folclore alimentar do Nordeste, sofreria graves perdas nessa região e ganharia espaço em outras. Para a soja (um dos três principais cultivos do Brasil junto com arroz e milho), o informe prevê o pior cenário: as perdas podem chegar a 40% em 2070.
No momento as mudanças não são percebidas nas contas do governo nem em sua favorável balança de exportação agropecuária. Para a colheita 2010-2011, espera-se uma produção de grãos de 162,9 milhões de toneladas, com aumento de 9,2% em relação à temporada anterior, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento.
“O recorde de produção mostra a força da agricultura brasileira e a importância cada vez maior do Brasil como abastecedor mundial de alimentos”, festejou o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Mendes Ribeiro Filho. “Isso confirma nossa contribuição ao combate à fome no Brasil e no mundo”, destacou ao se referir às boas perspectivas agrícolas, que atribuiu às condições meteorológicas na maioria das regiões produtoras e à expansão da área semeada em 5,3%, para chegar a 49,9 milhões de hectares.
No entanto, estes tempos de vacas gordas e multiplicação de grãos podem ficar na lembrança se o Brasil “nada fizer para mitigar os efeitos da mudança climática e adaptar os cultivos à nova situação”, alertam os coordenadores do estudo de 2008. “Poderá haver uma migração de plantas para regiões onde hoje não crescem, em busca de melhores condições climáticas, e áreas que atualmente são as maiores produtoras de grãos podem deixar de ser aptas para a plantação antes do final deste século”, diz o informe.
De fato, há um exemplo recente. As chuvas em volume superior ao habitual que causaram destruição e inundações em Santa Catarina no começo deste mês, deixaram prejuízos agropecuários de quase US$ 3 milhões, segundo a Secretaria Estadual da Agricultura. Além disso, diminuiu a produção de mudas que estavam em fase de desenvolvimento, como cebola, trigo e tabaco, e houve perda de gado e queda na oferta de leite.
Para mitigar o impacto da própria prática agrícola no aquecimento, pela emissão de gases-estufa, o governo investe mais de US$ 2 bilhões na “agricultura de baixa emissão de carbono”. Os fundos vão para a recuperação de pastagens, integração de pecuária e cultivos, plantio direto, fixação biológica de nitrogênio e plantio de florestas. Com isto, explicou Assad, espera-se que em 2020 o dióxido de carbono emitido pela agricultura diminua em mais de cem milhões de toneladas, tomando por base os volumes de 2005.
Desde 1996, o Ministério da Agricultura estabelece, a cada ano, um zoneamento agrícola de riscos climáticos para cada cultivo. Isto permite que cada município defina a melhor época para plantar nos diferentes tipos de solos e ciclos para semear. São consideradas séries históricas de dados climáticos e, com estudos de tendência, são feitas adaptações para cultivos como soja, feijão, café e milho, algodão, colza, rícino, mandioca, arroz, milho e cana-de-açúcar. Alguns bancos já condicionam a concessão de crédito rural à aplicação do zoneamento pelos produtores.
As medidas para adaptar os novos tempos agrícolas incluem políticas para reduzir os incêndios para liberar terras de pastagem, aumento dos biocombustíveis e reflorestamento, melhoria genética para espécies mais resistentes a temperaturas elevadas, introdução de novas semeaduras e novas técnicas de produção. “O país está bem preparado para enfrentar esta questão com boas bases científicas”, assegurou Assad. Envolverde/IPS