Arquivo

O país dos assentamentos

Jerusalém, Israel, 9/8/2011 – “O povo reclama justiça social”, gritavam cerca de dez mil pessoas durante uma manifestação pelo centro de Jerusalém. Os protestos se repetiram em outras partes de Israel até somar aproximadamente 150 mil pessoas nas ruas contra o alto custo de vida, em geral, e da moradia, em particular. “Tiraram nossas casas alugadas porque não podíamos pagar”, disse Maya Zigov, mãe solteira com quatro filhos, que vive em uma barraca no Parque da Independência de Jerusalém, há duas semanas, junto com uma crescente quantidade de famílias em situação semelhante.

Membro da historicamente marginalizada comunidade mizrahi, judeus-árabes, Zigov disse que o governo israelense retirou seu subsídio hipotecário e os benefícios que tinha como mãe solteira. Não lhe restou outra opção do que se unir ao assentamento de barracas para tentar recuperar seus direitos.

“Hoje trabalhei. Ganho entre dois mil e 2,5 mil shekels (entre US$ 580 e US$ 730) por mês e não dá para nada. Atualmente, se paga 3,2 mil shekels (US$ 930) por um apartamento de três quartos. Tenho que alimentar meus quatro filhos, dar a eles o mínimo, um pedaço de pão pela manhã, uma mochila e material escolar. Há centenas de pessoas nesta situação. É preciso vir e não ter vergonha. Lutamos por todos”, afirmou Zigov.

Os protestos contra o alto custo da moradia começaram em meados de julho, quando jovens israelenses montaram um acampamento no centro de Tel Aviv. A mobilização estava encabeçada em grande parte por judeus israelenses da classe média que desde então ergueram dezenas de barracas e milhares de pessoas, mães e pais solteiros, famílias jovens e estudantes, saíram às ruas.

Contudo, a crise da moradia não surgiu da noite para o dia. Os fundos do Ministério da Habitação diminuíram de forma significativa na década passada, de 4,5% do orçamento nacional, em 1999, para 1,6%, em 2008, segundo pesquisas da Associação para os Direitos Civis em Israel (ADCI). Também sofreu cortes a contribuição do governo para compradores de casas ou apartamentos, diminuiu a quantidade de moradia disponível e pouquíssimas foram construídas.

Além disso, 75% dos trabalhadores israelenses ganham menos de seis mil shekels (US$ 1,7 mil) por mês. A classe média encolhe e a disparidade de renda entre ricos e pobres aumenta. De fato, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), Israel é o terceiro país da OCDE com maior disparidade na renda, atrás de México e Estados Unidos.

Os problemas econômicos, e em particular a bolha imobiliária, vêm surgindo há anos e por vários fatores, incluído o grande gasto do governo em assentamentos judeus no território palestino da Cisjordânia e um planejamento demográfico destinado a tirar terras dos cidadãos palestinos, disse o economista israelense Shir Hever.

“Foram instaladas pequenas comunidades para criar fatos no terreno no Deserto de Neguev e na Galileia, mas sem justificativa econômica e, agora, estão com muito desemprego, muita pobreza e delinquência.”, disse Hever à IPS via correio eletrônico.

“Isso deixa os jovens pressionados para se mudarem para o ‘centro’ (Tel Aviv e imediações), único lugar onde se pode encontrar trabalho, uma cultura cosmopolita e alto nível educacional. As famílias estão dispostas a pagar quase qualquer preço para poderem voltar a viver ali, pois a única alternativa seria a periferia menos desenvolvida”, explicou Hever.

No dia 26 de julho, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, procurou acalmar o crescente mal estar anunciando a construção de 50 unidades habitacionais acessíveis nos próximos dois anos, principalmente para estudantes, casais jovens, famílias grandes e ex-soldados, e outras dez mil residências estudantis. Porém, os manifestantes rejeitaram rapidamente a proposta de Netanyahu por não atender suas reclamações de reformas reais em todos os setores sociais.

“O governo precisa entender a mensagem principal, não se trata de uma luta de um ou outro setor, mas de uma ampla demanda social”, afirmou o promotor Gil Gan-Mor, coordenador do Projeto Direito à Moradia da ADCI. “O acesso a moradia é um direito universal e é responsabilidade do Estado que seja realidade para todos os cidadãos”, acrescentou em um comunicado divulgado após o anúncio do plano de Netanyahu.

Afirma-se que está sendo formado um amplo movimento social, mas os manifestantes foram questionados por ignorarem as sistemáticas desigualdades sofridas por cidadãos palestinos de Israel, como a incapacidade de conseguir autorização para suas casas e terras, e não mencionar o tema da ocupação israelense.

Há fatos indicando que o movimento pode se espalhar para a comunidade palestina de Israel, porque os que estão na localidade israelense de Jaffa e no povoado de Baqa al-Gharbiyye, no norte, ergueram seus próprios acampamentos de barracas, e os beduínos da aldeia “não reconhecida” de Al Araqib, demolida pelas autoridades israelenses quase 30 vezes no ano passado, uniram-se à de Beer Sheva.

Os manifestantes devem dar atenção à discriminação e às desigualdades no coração da própria sociedade israelense se pretendem realizar mudanças duradouras, afirmou Shir Hever. “As desigualdades de Israel estão profundamente enraizadas na discriminação de minorias com tendência a passar da marginalização de um grupo, os palestinos, a outros, mulheres, religiosos ultraortodoxos, mizrahi e novos imigrantes. Apenas um protesto baseado na incorporação, em lugar da exclusão, de todas elas, tem possibilidades de conseguir uma mudança social sustentável”, ressaltou.

“Há sinais de que alguns setores minoritários unem-se aos protestos, mas os manifestantes que reclamam justiça social têm o cuidado de não mencionar as desigualdades étnicas como base do sistema israelense para evitar divisões internas”, acrescentou Hever. Envolverde/IPS