O Pan, os recordes e a Record

Nesta sexta-feira começam os Jogos Pan-americanos. É uma competição interessante, que nos dá a impressão de sermos uma potência mundial no esporte. Na última edição, em 2007, no Rio, ficamos em terceiro lugar, com um número respeitável de medalhas: 157 (52 de ouro).

Mas, antes que o leitor ufanista dê pulos no sofá, lembro que acabamos atrás de Cuba. E não dá para ficar convencido sabendo que nossa grande luta é para ultrapassar um país que tem apenas 11 milhões de habitantes, o mesmo que a cidade de São Paulo. Pelo jeito há alguma coisa lá que funciona melhor do que aqui. Mas isso é assunto para outro dia.

Hoje o assunto é televisão.

É que este Pan será transmitido pela Rede Record. É a primeira vez, em muito tempo, que a Globo perde a transmissão de um grande evento esportivo. Creio que isto não acontecia desde 1980, quando a Bandeirantes transmitiu o campeonato de Fórmula-1.

A rede da Igreja Universal mostrará ainda as Olimpíadas de Londres em 2012 e o Pan de 2015.

Será interessante ver como a Globo se portará em relação ao noticiário da competição. Terá total ética jornalística e dará destaque justo às vitórias brasileiras, correndo o risco de alavancar a audiência da concorrente? Ou mal tocará no assunto (como no tempo das Diretas Já), deixando que o fator comercial fale mais alto que o senso jornalístico?

É uma decisão difícil. Talvez a empresa consiga achar um budista caminho do meio. Mas será uma situação delicada, na qual ela terá que mostrar se está eticamente madura para falar de eventos que não comanda.
Por enquanto, a Globo pouco falou no Pan. E quem perde com isso são os atletas, que aparecem menos e assim têm mais dificuldade em justificar e buscar patrocínios.

Dúvidas

Eu vos pergunto: Será que a luta entre as duas redes será boa para nós, espectadores? Será que a disputa, a livre concorrência, realmente gera uma melhora do produto, no caso as transmissões esportivas?

Segundo o senso comum, sim. Mas não é bom tomar decisões apressadas. A disputa nem sempre é mãe de avanços. Pode ser pai de retrocessos. Por exemplo, havia a ideia de que, se mais emissoras fizessem novelas, elas melhorariam. Não foi o que aconteceu. As novelas, com a nobre exceção do Cordel Encantado, pouco inovaram nos últimos anos, apostando em fórmulas já testadas.

Com os humorísticos foi a mesma coisa. Nos tempos da ditadura da Globo, quando ela sempre podia começar seus programas com o bordão “Mais um campeão de audiência…”, a empresa podia dar-se ao luxo de arriscar mais, a fazer programas como Armação Ilimitada. Hoje, em tempos de disputadas mais ferrenhas, em vez de TVs Piratas temos Zorras Totais.

Mas no esporte as coisas podem ser diferentes.

Pelo menos num aspecto, o espectador vai sair ganhando: a Record transmitirá vários eventos ao vivo no horário nobre, o que talvez não acontecesse com a Globo, pois ela pensaria duas vezes antes de arriscar sua audiência. Como a Record tem um ibope mais modesto, fica mais fácil arriscar.

Porém, talvez a transmissão perca em qualidade, já que a Globo, no correr dos anos, construiu uma melhor equipe de profissionais e tem mais experiência nas transmissões internacionais.

No dia 30, no encerramento do Pan, veremos quem saiu ganhando e perdendo. Inclusive no quadro de medalhas.

* José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.

** Publicado originalmente no site Agência Carta Maior.