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O papa chega a um país em movimento

A peregrinação da Virgem da Caridade terminou no dia 30 de dezembro, coincidindo com a celebração do 30 anos de Jaime Ortega como arcebispo. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Havana, Cuba, 4/1/2012 – Em sua próxima visita a Cuba, o papa Bento 16 encontrará um país imerso na busca pela modernização de seu modelo econômico de cunho socialista e tentando avançar na abertura religiosa, o que lhe confere certas diferenças em relação à época da visita de João Paulo II. O papa, segundo o programa divulgado pela Igreja Católica local, iniciará sua visita de três dias à ilha por Santiago de Cuba, onde chegará no dia 26 de março, procedente do México, e será recebido oficialmente pelo presidente Raúl Castro e por autoridades religiosas.

Nessa cidade, 861 quilômetros a leste de Havana, oficiará missa na Praça da Revolução Antonio Maceo, se hospedará na residência para sacerdotes de El Cobre, e no dia seguinte visitará o santuário da Virgem da Caridade para rezar diante de sua imagem, encontrada há 400 anos flutuando nas águas do mar. Às 12 horas do dia 27 embarcará para Havana, onde a programação inclui um encontro com Castro, que em 2010 impulsionou canais de diálogo com a hierarquia eclesiástica local, aliviando tensões internas e externas. Na opinião do governante, essas conversações consolidaram “a unidade da nação”.

Na manhã do dia 28, o papa presidirá a celebração de uma missa na Praça da Revolução José Martí, mesmo cenário utilizado em 25 de janeiro de 1998 para o ofício religioso encabeçado por seu antecessor, João Paulo II, acompanhado da primeira fila pelo então presidente Fidel Castro. A Igreja Católica divulgou, no dia 1º, a agenda papal, acordada entre a Conferência dos Bispos Católicos de Cuba (Cocc) e as autoridades do governo, após o encerramento, no dia 30 de dezembro, em Havana, da peregrinação por todo o país da imagem da Virgem da Caridade do Cobre, como parte das comemorações pelo 400º aniversário de seu encontro.

A peregrinação de 16 meses e 28 mil quilômetros, que incluiu visitas a hospitais, asilos para idosos, instituições culturais e até prisões, terminou com uma missa solene campal em frente à baía de Havana pelo cardeal Jaime Ortega. A cerimônia foi transmitida no mesmo dia, mas não ao vivo, pela televisão estatal. Em sua homilia, Ortega pediu à Virgem que interceda pelos que têm “responsabilidades de governo” no país, “para que possam continuar avançando sem tropeços nessas necessárias transformações na vida econômica e social que o povo cubano espera”.

Foi uma referência explícita às mudanças aprovadas pelo sexto congresso do governante Partido Comunista de Cuba para atualizar o modelo econômico, um processo considerado lento e tímido em alguns setores. Castro disse que continuará trabalhando “sem pressa nem improvisações”. O cardeal expressou reconhecimento às autoridades por respeitarem “o direito” de a Igreja Católica velar pelo bem do povo. “Disto a disponibilidade e o apoio dado pelas instâncias oficiais à realização da peregrinação da imagem da Virgem da Caridade do Cobre foi uma amostra”, afirmou Ortega.

A comemoração dos 400 anos do encontro da imagem da “mãe e padroeira” de Cuba culminará em 2012 com o ano jubilar (ano santo) convocado em todas as dioceses, durante o qual se espera a visita de muitos peregrinos, tanto do país quanto do exterior, ao Santuário do Cobre. Na basílica dessa localidade, que fica a 120 quilômetros de Santiago de Cuba, está exposta para culto público, a imagem original, encontrada em 1612 pelos irmãos Juan e Diego de Hoyos e pelo negro liberto Juan. Segundo a lenda, em uma tábua sobre a qual estava a imagem estava escrito: “sou a Virgem da Caridade”.

O cardeal Ortega recordou, entre outros detalhes, que João Paulo II a coroou “rainha e padroeira de todos os cubanos, em sua histórica visita” a Cuba e que, por ocasião do quarto centenário, o presidente Castro concedeu indulto a cerca de três mil presos, “que puderam, quase todos, passar o Natal em casa”. Ortega e Castro mantiveram um inédito diálogo em meados de 2010, entre cujos frutos mais visíveis figura a libertação, na época, de 130 presos, incluídos 52 do grupo de 75 opositores condenados em 2003 que ainda estavam nas prisões naquele momento. A maioria dos libertados emigrou para a Espanha e outros países com suas famílias.

Ao introduzir o tema em seu informe central ao VI Congresso do PCC, realizado em abril, Raúl Castro disse que as libertações aconteceram “no contexto de um diálogo de respeito mútuo, lealdade e transparência”, com pontos de vista nem sempre coincidentes, mas construtivos. “Com esta ação favorecemos a consolidação do mais precioso legado de nossa história e do processo revolucionário: a unidade da nação”, afirmou. Para analistas, plasmar essa aproximação e esse intercâmbio no documento partidário referendou a política de seguir com as relações com a Igreja Católica.

Por outro lado, o enfrentamento dos preconceitos diante de crenças religiosas, junto com os raciais, de gênero, orientação sexual e outros que possam gerar discriminação ou limitar o exercício dos direitos das pessoas, como ocupar cargos públicos, está entre os temas a serem discutidos na Conferência Nacional do PCC, prevista para o final deste mês. As relações entre a Igreja Católica e o Estado cubano foram extremamente conflitivas nas primeiras décadas da era revolucionária, iniciada em janeiro de 1959, mas a visita de João Paulo II marcou uma primeira etapa de bom entendimento. Prevê-se que a chegada de Bento 16 contribuirá para consolidar essa aproximação e ampliará o espaço conseguido pelo catolicismo. Envolverde/IPS