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O paraíso não recebe atacantes suicidas

Cortejo fúnebre de um terrorista suicida no Paquistão. Porém, a estes atacantes são negados os últimos ritos funerários muçulmanos. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

Peshawar, Paquistão, 9/4/2012 – Numerosos líderes religiosos no Paquistão insistem em afirmar que assassinar outras pessoas é contrário ao Islã e uma violação das leis divinas, e, portanto, repudiam os ataques suicidas em nome da fé muçulmana. “A maioria dos atacantes suicidas age seguindo a ideia errada de que agradam Alá, mas o fato é que estão matando e ferindo muçulmanos inocentes”, alertou Maulana Muhammad Rehman, que preside as rezas em uma mesquita da Agência de Khyber, nas Áreas Tribais Federalmente Administradas (Fata).

As sete agências em que se dividem as Fata, fronteiriças com o Afeganistão, são terreno fértil para que jovens sejam doutrinados pelo movimento islâmico Talibã e recrutados como atacantes suicidas contra objetivos civis em diferentes partes do país. “Segundo o profeta Maomé, a paz esteja com ele, matar uma pessoa equivale a matar toda a humanidade, e, portanto, não há forma de perdoar os que matam”, disse à IPS o religioso, de 50 anos.

“O Talibã paquistanês regularmente seduz ou sequestra adolescentes pobres e os leva para  madrazas (escolas islâmicas) ou seminários, onde aplicam lavagem cerebral para que se convertam em atacantes suicidas, em geral usando vídeos que mostram muçulmanos vítimas da opressão na Caxemira, no Iraque e no Afeganistão”, contou Rehman. “Seus instrutores dizem que a jihad (guerra santa) é imperativa e que irão para o paraíso após matarem muitos infiéis e não crentes no Islã. Mas isso é totalmente errado”, advertiu o religioso. Ele disse lamentar particularmente a tendência dos radicais de atacar mesquitas e funerais para maximizar o número de mortos.

Anwarullah, que preside as rezas em Mardan, na província de Khyber Pakhtunkhwa, alertou que “todos os que se fazem explodir e matam muçulmanos inocentes não encontrarão um lugar o paraíso, como lhes prometem seus instrutores”. “Não há uma segunda opinião sobre o fato de os ataques suicidas não serem permitidos pelo Islã. É claro como água que aqueles que desobedecem os mandamentos divinos e optam por se converterem em atacantes suicidas acabarão no inferno, que abriga os infiéis”, acrescentou.

Por sua vez, Qari Jauhar Ali, clérigo de Charsadda, um dos 25 distritos de Khyber Pakhtunkhwa, disse que os que cometem atentados suicidas não recebem as cerimônias funerárias, de extrema importância na cultura islâmica. “Nem recebem o banho ritual nem os demais ritos quando são levados ao túmulo”, explicou à IPS. No distrito de Bannyu, em Khyber Pakhtunkhwa, o erudito muçulmano Maulana Muhammad Shoaib disse lamentar especialmente o caso do jovem Ahmad Ali, de 17 anos, que se imolou em janeiro em Peshawar.

Os líderes religiosos que condenam publicamente os atentados suicidas se convertem eles mesmos em objetivos de ataques por parte do Talibã, que pretende silenciar toda interpretação do Islã contrária à sua. Alguns dos religiosos assassinados nos últimos anos pelo Talibã foram Sarfaraz Naeemi, Muhammad Farooq Khan, e Maulana Hasan Jan, todos abertos críticos dos ataques suicidas.

Muhammad Shafique, do Departamento de Ciências Forenses do Colégio Médico Khyber, disse à IPS que os cadáveres não reconhecidos nos atentados eram enterrados para depois serem identificados por exame de DNA, mas não os atacantes. “Nunca enterramos os restos de atacantes suicidas recuperados em uma explosão, mas os usamos para fins forenses”, afirmou.

Abdul Jamil, pai de Abdul Shakoor, que se imolou em um ataque contra um comboio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em Kandahar, em abril de 2010, disse lamentar por não ter podido proporcionar ao filho os ritos funerários. “As pessoas fazem funerais até para os que morrem em outros países e que não podem trazer para suas aldeias nativas, mas para mim isso foi negado”, disse Jamil.

Abdul Shakoor, morador de Surkh Dheri, em Charsadda, desapareceu em janeiro de 2010. Três meses depois, um grupo de talibãs informou ao seu pai que havia cometido um atentado suicida em Kandahar e que “havia ido para o paraíso”. “Não pude acreditar que o Talibã entrasse em uma mesquita pela manhã e me desse essa notícia. Para meu pesar, eles me felicitavam, mas ainda os maldigo pelo que aconteceu ao meu filho”, declarou o pai à IPS.

“Oferecer condolências a familiares de um falecido é um importante ato de cordialidade, mas não recebi nenhum pela morte do meu único filho”, lamentou o pai. “Como as pessoas desaprovam os atentados suicidas, ninguém veio me dar as condolências. Morrer desta forma é doloroso para os pais, que não têm esperança de receber a misericórdia de Alá por seus filhos, já que violaram os mandamentos islâmicos”, acrescentou. Envolverde/IPS