Há uma intensa discussão em curso na qual o governo federal parece quase isolado em suas posições. É a respeito do ritmo descendente de crescimento do Produto Interno Bruto, o PIB, que no primeiro trimestre deste ano foi só 0,6% maior que o dos três meses anteriores. E levou várias instituições à previsão para o ano de um aumento de apenas 2,4%, quando se calculava antes 3% ou mais. A própria Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que calculava esse crescimento em 2013 na faixa dos 4%, agora baixou para 2,9%, e para 3,5% em 2014 (antes, 4,1%), segundo noticiou este jornal no dia 31/5. Diz o ministro da Fazenda que “criar empregos é mais importante que crescer o PIB”. Segundo ele, “a crise não afetou a maioria da população”.
É discutível. As faixas mais pobres no País cortaram em 11% suas compras de produtos básicos no primeiro bimestre do ano (Estado, 25/4). A inadimplência no País passou de 5,1%, no ano passado, para 6,49%, em abril deste ano (19/5); 18 milhões de pessoas trabalham sem carteira assinada e 15 milhões, por conta própria (IBGE, 1/5); 90 mil crianças de 5 anos a 9 anos trabalham, 1,1 milhão entre 9 anos e 14 anos também. Se forem adotados os critérios da ONU, praticamente todas as pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família vivem “abaixo da linha da pobreza” (que é de US$ 2, ou pouco mais de R$ 4, por dia).
O pessimismo mais recente diante das estatísticas brasileiras avança também pela área da dívida nacional, pois chegaremos a um “rombo” nas contas externas equivalente a 3% do PIB (23/5). As estimativas para a dívida pública estão em R$ 1,95 trilhão, e ela exige juros de 9,74% ao ano (Agência Estado, 26/4), muitas vezes o gasto com todo o programa Bolsa Família.
E a fatia do Brasil no comércio mundial caiu de 1,4% para 1,3% (11/4), quando era de 1,5% em 1985. Segundo alguns economistas, há produtos que o Brasil vende hoje para o exterior a preços inferiores (corrigida a inflação) aos que vigoravam antes da grande depressão da década de 1930.
Praticamente não teríamos caminhado nada, apesar dos enormes incentivos fiscais e de outros tipos. E ainda hoje estaríamos patinando sem sair do lugar, ocupando o 22.º lugar no mundo entre os países exportadores. Mesmo com a Europa em recessão – PIB de menos 0,2% no primeiro trimestre, desemprego médio de 12,2%, mas de até 27% na Grécia e perto disso na Espanha, situação brutal entre os jovens (16/5).
Não bastasse tudo isso, muitos economistas – como já se tem comentado em outros artigos neste espaço – tratam, cada vez com mais frequência, da chamada “crise da finitude de recursos”, o consumo global de materiais (7 toneladas por habitante/ano) acima da capacidade de reposição do planeta. E tende a se agravar, porque, com o incremento já previsto de pelo menos 2 milhões de pessoas até 2050, esse consumo, nos níveis atuais, chegaria a 65 bilhões de toneladas/ano. “O atual sistema no mundo está falido”, já se manifestou há uns dois ano o Blue Planet, que reúne 20 cientistas ganhadores do Prêmio Nobel Alternativo. Na conferência Rio +20, o próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, falou em “exaustão do sistema econômico e social” planetário.
E onde fica a saída? A própria Universidade da ONU apresentou, na Rio +20, seu estudo sobre um novo índice para calcular a situação de cada país, cada região: o Índice de Riqueza Inclusiva (Inclusive Wealth Report – IWR). Ele acrescenta aos fatores já avaliados pelo PIB e pelo Índice de Desenvolvimento Humano da própria ONU, por meio do Pnud – que inclui saneamento, expectativa de vida, educação e outros fatores -, a saúde, a segurança ambiental e os ganhos e perdas de recursos naturais nos ecossistemas. Por esse caminho, no estudo feito pela universidade para o período 1990/2008, a China, que teve crescimento econômico de 422%, o veria reduzido para 37% com as perdas de recursos naturais; o Brasil, em vez de crescimento de 37%, teria 13% no mesmo período. Se a questão central, como dizem economistas, está na crise de recursos materiais, o índice vem para o centro do palco. E a avaliação da situação brasileira não deve ficar restrita ao crescimento econômico. Tem de se deslocar para uma estratégia que leve em consideração o privilégio brasileiro em matéria de insolação permanente, recursos hídricos, biodiversidade e possibilidade de matriz energética “limpa” e renovável, com energia de hidrelétricas, eólica, solar, de marés, geotérmica e de biomassas (cana, dendê, pinhão manso e outras). É um alto privilégio e o será cada vez mais nos tempos difíceis em que navegamos no mundo.
Discute-se cada vez mais, entretanto, como mudar os modos de viver no mundo, torná-los compatíveis com os recursos disponíveis. E como fazer isso, se cada país encara a questão de uma forma diferente, cada empresa tem sua estratégia própria e diferenciada e até cada pessoa comporta-se de forma a atender a seus interesses específicos. Como chegar a uma estratégia global adequada, sem a adesão geral?
Como observa o respeitado Edgar Morin, “há alguns processos positivos, mas eles permanecem invisíveis ou são pontuais (…) O provável não é definido, permanece incerto (…) É preciso resistir e construir o improvável (…) O que é preciso reformar? As estruturas sociais e econômicas? Ou as pessoas e a moral? (…) Esses processos têm de vir juntos (…) A metamorfose é possível e torna possível criar um novo modo de desenvolvimento e um novo tipo de sociedade, que não podemos prever, mas que ultrapassa a expectativa dos indivíduos e da sociedade atual” (Le Monde Diplomatique, dezembro de 2012). Por isso tudo, Morin recomenda a todas as pessoas, estejam onde estiverem, que lutem “pelas mutações, quer elas tenham dimensão global ou local”.
A briga não está confinada, portanto, ao crescimento econômico, ao PIB – embora suas múltiplas dimensões tenham de ser consideradas. Mas é preciso pensar muito além.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.