Roma, Itália, outubro/2014 – Se fosse necessário demonstrar que estamos diante da total ausência de uma governança global, a Cúpula do Clima, convocada excepcionalmente pelo inerte secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, e realizada no dia 23 de setembro em Nova York, seria um exemplo muito bom.
Parece claro que finalmente se alojou nos líderes políticos a evidência de que há um problema conjunto muito urgente em nosso planeta, a mudança climática.
Porém, a falta de respostas concretas, além do uso e abuso de lugares comuns gerais sobre o tema é impressionante.
Sem deixar de reconhecer o problema, muitos líderes encontraram a maneira de se esquivar de sua responsabilidade indicando limitações em seus países.
Essa foi a fórmula à qual recorreu o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para deixar claro que o Congresso de seu país não estaria disposto a ratificar um tratado internacional sobre o clima.
Essa posição, neste caso, ocorre porque o Congresso não aceita a vinculação dos Estados Unidos ao tratado devido ao seu objetivo excepcional, que não lhes permite ser tema de escrutínio ou controle por parte dos que não são seus próprios cidadãos.
Os Estados Unidos se converteram em um país disfuncional, onde os poderes Judicial, Legislativo e Executivo não conseguem cooperar, inclusive em temas cruciais.
Anant Geete, ministro indiano de Indústria Pesada e Empresas Públicas, afirma que o crescimento de seu país tem prioridade absoluta e por isso a Índia seguirá o caminho da industrialização e da energia baseada no carbono, enquanto outras energias renováveis serão incorporadas progressivamente, embora isso faça com que esse país se converta no maior contaminador mundial.
A União Europeia não pode assumir nenhum tipo de compromisso, já que uma nova Comissão deverá assumir no próximo mês e a pessoa designada para o posto de Comissário para a Ação Climática e Energia é o conservador espanhol Miguel Arias Cañete, que era um dos principais acionistas em duas empresas petroleiras espanholas, até vender suas ações para firmar sua candidatura.
Nenhum problema, já que membros de sua família não seguiram seu exemplo e se mantêm como acionistas e inclusive ocupam postos nos conselhos administrativos das empresas.
De acordo com esta mesma sensibilidade política, a nova e mais conservadora Comissão Europeia entregou a carteira de Serviços Financeiros ao bem conhecido lobista da City de Londres, Lord Jonathan Hill.
Tal procedimento de compromissos políticos é como designar o conde Drácula para administrar um banco de sangue, uma nomeação que dificilmente atrairá os doadores.
O triste é que não faltaram documentos de base para a Cúpula do Clima.
Além de um informe preparado pelo Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), que reúne 3.200 cientistas de todo o mundo, existia, por exemplo, um documento do governo da Espanha, baseado em um detalhado estudo das áreas costeiras desse país, que conclui que em 2050 o nível do Mar Mediterrâneo subirá um mínimo de 30 centímetros (se forem tomadas as medidas de controle climático agora) até um máximo de 60 centímetros (se não forem tomadas).
Isso significa que a costa retrocederá entre 20 e 40 metros, com um evidente efeito no turismo, nos portos e assentamentos costeiros. Há cem anos utilizava-se apenas 12% da costa, chegando a 20% em 1950, a 35% em 1988 e a 75% em 2006. Na Espanha, 15 milhões de pessoas vivem na área que será afetada pela mudança climática.
Obviamente, França, Grécia, Itália, Tunísia e o restante dos países mediterrâneos compartilharão o mesmo destino.
Outro estudo mais global, do grupo de pesquisa Climate Central, dos Estados Unidos, estima que aproximadamente um em cada 40 habitantes no mundo, cerca de 177 milhões de pessoas, vive em áreas suscetíveis a inundações nos próximos cem anos.
Mesmo se fossem tomadas medidas imediatas para o controle climático 1,9% da população dos países costeiros seria afetada. No pior dos casos, seria 3,1%.
Para dar um exemplo mais concreto, 4% da população chinesa (50 milhões de pessoas) poderia ser afetada. Oito dos dez grandes países com maior risco ficam na Ásia.
A voz de Abdulla Yameen, presidente de Maldivas, passou despercebida quando recordou aos líderes da Cúpula que os pequenos países insulares, que seriam os primeiros a sofrer com qualquer elevação do nível do mar, constituíram uma federação para defender seu direito a existir.
Toda uma nova geração nasceu desde que teve início o debate sobre a mudança climática, mas não há sinais de que a situação esteja melhorando.
Na década 2002-2012, as emissões globais de dióxido de carbono (CO2) aumentaram, em média, 2,7%. Em 2013, as emissões eram as mais altas dos últimos 30 anos. Ainda assim o setor da energia está montando uma grande campanha para negar que haja alguma mudança climática.
Os que negam a mudança climática dizem que o que ocorre é parte de um ciclo histórico normal, e não o resultado da atividade humana.
Todos os dados demonstrando o contrário estão sendo ignorados e o resultado dessa campanha é que muitas pessoas acreditam que o debate sobre a questão continua aberto.
Talvez, o que ocorreu há alguns dias entre Google e o Conselho Norte-Americano de Intercâmbio Legislativo (Alec) seja sintomático desse “ciclo histórico normal”.
Em 22 de setembro, o presidente do Google, Eric Schmidt, anunciou que essa empresa de alta tecnologia se retirava da Alec, acrescentando que “todo o mundo entende que está acontecendo uma mudança climática e as pessoas que a negam estão realmente causando um dano aos nossos filhos e nossos netos e contribuindo para fazer do mundo um lugar muito pior”.
A Alec é uma organização conservadora que defende a revogação das leis sobre energias renováveis estatais e outras políticas pró-renováveis.
Esse Conselho elabora propostas de regulamentação que apresenta aos políticos, pedindo que façam apenas o esforço de convertê-las em lei.
O porta-voz da Alec respondeu: “É lamentável saber que Google pôs fim à sua filiação no Conselho como consequência da pressão pública de indivíduos e organizações de esquerda que intencionalmente confundem as perspectivas da política de livre mercado com a negação da mudança climática”.
Em palavras simples, se uma pessoa está preocupada com a mudança climática passa a ser qualificada de esquerdista que está contra o mercado.
Os executivos de muitas grandes empresas estão à frente dos líderes políticos. Eles podem tomar decisões sem travas de restrição política e descobriram que trabalhar a favor do controle climático pode ser útil não apenas em termos de relações públicas, mas também economicamente.
Por exemplo, 40 grandes empresas, entre elas L’Oreal e Nestlé, divulgaram uma declaração, no dia 23 de setembro, se comprometendo a ajudar a reduzir o desmatamento tropical pela metade até 2020 e detê-lo completamente até 2030. Algumas dessas companhias trabalham com óleo de palma, uma produção rentável à custa das florestas tropicais, especialmente na Indonésia.
Entretanto, somente algumas corporações assumiram alguns compromissos concretos na Cúpula de Nova York.
Por exemplo, o máximo dirigente da Apple, Timothy Cook, disse que sua empresa se comprometeu a centrar-se nas emissões de seus principais fornecedores, que representam cerca de 70% dos gases-estufa provenientes da produção e do uso de produtos da companhia.
Cook rechaçou a ideia de que a sociedade deve escolher entre o crescimento econômico e a proteção do ambiente, dando como exemplo uma enorme fazenda solar que a Apple construiu na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, para ajudar a operar um centro de dados.
As pessoas nos disseram que isso não poderia acontecer, que não era possível, mas o fizemos. É muito bom para o ambiente e, por certo, também é bom para a economia”, afirmou.
Entretanto, muitas vozes não permaneceram caladas no planeta. Salvaguardar o ambiente foi por muito tempo uma bandeira de luta para uma grande parte da sociedade civil em todo o mundo e uma das principais causas de preocupação entre as gerações mais jovens.
Mas por que foram tão claramente invisíveis para os que tomam as decisões no planeta?
A próxima data importante para a agenda do clima é a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá em Paris em 2015, e onde devem ser dados passos decisivos, após a COP 20 que acontecerá em Lima em dezembro.
Nossos dirigentes políticos desperdiçarão novamente a oportunidade de fazer algo concreto? Continuarão a esperar e ver como o tempo se esgota para o planeta e para a humanidade?
* Roberto Savio é fundador e presidente emérito da agência IPS e editor do boletim Other News.