Genebra, Suíça, julho/2011 – A globalização domina nossa época, mas trata-se de um domínio crescentemente frágil. Embora a integração global proporcione enormes benefícios e crescente riqueza mediante a difusão da tecnologia, o avanço de milhares de milhões de pessoas no mundo em desenvolvimento também cria novos riscos, instabilidade financeira, desequilíbrios econômicos, estresse ambiental, crescentes desigualdades e um importante influxo da cibernética, com o que, aparentemente, temos dificuldade em lidar.
Esta não é uma preocupação recente. Desde a revolução industrial, o poder do capitalismo de mercado para gerar tanto um incrível progresso quanto imensos transtornos – o que Joseph Schumpeter chamou de “destruição criativa” – preocupa os governos.
Karl Marx estava equivocado em algumas coisas, mas seguramente tinha razão sobre as inerentes tensões e contradições do capitalismo. “O capitalismo criou mais colossais forças de produção do que todas as gerações anteriores juntas”, escreveu em 1848, mas também representa “a interrompida alteração de todas as condições econômicas e sociais e uma eterna incerteza e agitação”. O capitalismo de mercado, afirmou com fatalismo, contém a semente de sua própria destruição.
Um século depois, Karl Polanyi utilizou semelhantes argumentos para explicar o motivo de a economia aberta do Século 19 ter caído de repente no começo do Século 20, sacudido por guerras, depressão econômica e totalitarismo. Os mercados abertos necessitam de coesão social e política para trabalhar, afirmou, mas, paradoxalmente, o livre mercado, sem controles, logo socava sua própria coesão. O individualismo e a competição são premiados, mas à custa da igualdade e da comunidade.
Talvez a maior mudança seja o impacto da globalização no panorama geopolítico, pois possibilitou e recompensou uma mudança na produção, no investimento e a tecnologia nas economias emergentes. O resultado, como apontou recentemente Martin Wolf, é que a periferia está se convertendo no centro e o centro em periferia. Os Estados Unidos continuam sendo um ator principal, mas não é mais dominante. As potências em rápida ascensão, como Brasil, China, Índia e Indonésia, desempenham um papel que era inimaginável há 20 anos, enquanto países em desenvolvimento menores têm algo a dizer em um sistema no qual apostam crescentemente.
Não nos equivoquemos, a globalização é uma força revolucionária. A economia mundial é oito vezes maior do que era em 1950, e o comércio mundial cresceu 33 vezes desde então. Mais de três bilhões de pessoas na China, Índia, Indonésia e outros países em desenvolvimento estão conseguindo em uma geração o que ao Ocidente custou mais de um século para se alcançar.
Entretanto, a globalização continua sendo um sonho insatisfeito. A recente crise financeira, e a “Grande Recessão” que a seguiu, foi simplesmente o máximo cataclismo de uma série de sacudidas financeiras globais, entre elas a queda do Mecanismo de Taxa de Juros Europeu, na década de 1990, a crise do peso em 1995, a crise asiática em 1997, a crise russa em 1998, e podendo ser incluída a Europa, se não forem resolvidos os atuais problemas da dívida soberana.
Hoje, o problema essencial é o muito pouco eficaz governo da globalização e o fato de os comportamentos não se atualizarem com relação ao mundo integrado e interligado que criamos.
Expor o problema é a parte mais fácil, mas dar respostas é mais difícil e, implantá-las, é ainda mais complicado. Um desafio é o de reinventar as instituições internacionais que ontem foram universalmente idealizadas e que agora são universalmente desprezadas. Substituir o G-8 pelo G-20 foi um passo importante, um reconhecimento do atual mundo multipolar e sinal tangível de que o sistema pode ser reformado e adaptado.
Contudo, é insuficiente. E reinventar nossas instituições não é criar mais organismos. É, por outro lado, conectar as instituições de uma maneira melhor, de modo a garantir que a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o vasto sistema das Nações Unidas operem como um todo mais coerente, e não como um mosaico de feudos.
O verdadeiro desafio é o de mudar nossa forma de pensar e não só nossos sistemas, instituições ou políticas. Necessitamos que a imaginação se apodere da imensa promessa e do imenso desafio que constituem o mundo contemporâneo e tire proveito. O futuro depende de mais globalização, não de menos, assim como de mais cooperação, mais interação entre povos e culturas e inclusive de compartilhar em maior medida responsabilidades e interesses. O multilateralismo talvez seja complicado, frustrante e capaz de dar dois passos adiante e um passo atrás. Entretanto, a ficção de que existe uma alternativa ao multilateralismo é ingênua e perigosa. Ingênua porque ignora que estamos nos convertendo em mais, e não menos, dependentes uns dos outros. Perigosa porque faz correr o risco de afundarmos novamente em nosso passado de divisões, com todos seus conflitos e tragédias. É uma fácil tentação para os políticos se mobilizarem em busca do que está próximo e utilizar o sentido de pertinência e de identidade contra “os outros”, “os estrangeiros”. No entanto, é muito perigoso. Envolverde/IPS
* Pascal Lamy é diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).