Análise sobre o fenômeno das manifestações que eclodem no Brasil e no mundo encerra Conferência Ethos 2013.
As manifestações que atingem todo o País têm pautas difusas, mobilizam milhares de pessoas, seguem pacíficas e se fragmentam em grupos opostos, a favor e contra, naqueles que pedem saúde, educação, transporte, qualidade dos serviços públicos; e naqueles que, cansados de esperar, irrompem, de repente, contra símbolos do atual modelo econômico e político. Governos e empresas observam perplexos, sem ideia de para onde ir. As ruas exigem uma velocidade que a arcaica e esclerosada estrutura de decisões políticas não tem a capacidade de acompanhar em tempo real.
No debate que encerrou a 15ª Conferência Ethos, em 5 de setembro de 2013, a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente); Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos; o jornalista Marcelo Tas, apresentador do programa CQC (Rede Bandeirantes); Marcelo Coutinho, diretor de Inteligência e Mercado para a América Latina do Portal Terra; Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia política da Universidade de São Paulo (USP); Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP; e Augusto de Franco, criador e netweaver da Escola de Redes, atuaram com a mediação de Augusto Rodrigues, diretor de Comunicação da CPFL Energia, na busca não apenas por respostas, mas para compreender que admirável mundo novo emerge das demandas da sociedade. Discussão mais do que oportuna, realizada na antevéspera do Dia da Independência, quando uma nova rodada de manifestações pelo País estava agendada.
A ministra Izabella apontou para um cenário de oportunidades, onde a agenda da sustentabilidade não pertence mais apenas aos ambientalistas, mas se espraia pela sociedade como um todo. Para ela, as demandas das ruas mostram claramente que as pessoas querem um outro modelo de desenvolvimento, mais inclusivo, menos desigual e capaz de atender a todos com serviços de qualidade. “ É preciso entender que as pessoas, a sociedade, não querem mais explicações. Querem ação e isso abre janelas para quem tem desejo e capacidade de entender e mudar”. Para ela, o novo mundo é de aprofundamento da democracia e os governos têm de responder com eficiência e transparência.
A transparência da qual falou a ministra também aparece nas demandas da sociedade e foi apontada por Jorge Abrahão, do Ethos, anfitrião do encontro, como um dos alicerces da relação entre empresas e governos. Ele aponta que a corrupção e a impunidade são questões-chave na equação dos protestos. “Para a sociedade o financiamento de campanhas políticas por empresas é um problema estrutural”, explicou. “É preciso integridade na relação das empresas com o setor público”, disse o executivo.
Especialista em redes, Augusto de Franco explicou que as manifestações que estão eclodindo em todo o país, em especial aquelas do mês de junho, representam um novo metabolismo da sociedade. “Foram o maior swarming já registrado no Brasil”, disse, utilizando a palavra inglesa que pode ser traduzida como “enxame”. Ele lembra que o fenômeno não é apenas nacional – está acontecendo em muitos países e que é inútil buscar uma causa política. “Cada pessoa é uma manifestação”, afirma. Segundo de Franco, isso é apenas o reflexo de um mundo que reduziu de tamanho e de seus agrupamentos de pessoas cada vez mais conectados. “A sociedade brasileira mudou, mas ainda não sabemos dizer o que mudou”, diz. “Nesse novo mundo as instituições não são hierarquizadas”, pondera.
Em uma análise que contextualiza o movimento, o professor Renato Janine Ribeiro explica que há um saber sobre esse tipo de acontecimento e que é impossível prever quando ou porque vai eclodir. Em sua visão, esse fenômeno nasce na França em maio de 1968, quando o mundo explodiu em protestos a partir de causas de magnitude pouco representativas. “São movimentos focados em jovens, uma idade em que as pessoas ficam livres da obediência aos pais e ainda não estão subordinadas ao mercado”, explica. ”Outro ponto em comum desse tipo de manifestação é a falta de um foco específico. As pautas são em grande parte fragmentadas e difusas”, diz. Ele dá como exemplo as bandeiras contra a corrupção, que são “muito mais um palavrão do que elemento analítico”.
Para o professor Marco Aurélio Nogueira, deve-se ser menos ousado nas interpretações das mensagens das ruas. “Não sabemos o querem dizer”, mas aponta alguns rumos, como a retomada, pelos jovens, dos sonhos, das utopias de futuro. “Estão pedindo de volta o futuro que foi sequestrado, a vida que políticos, governantes e empresas tiraram deles”. Em seu ponto de vista, as respostas que governos e empresas devem buscar “são comportamentais”. “Tudo é muito chato para a moçada”, diz. Nogueira acredita que rapazes e moças de pouca idade que estão nas ruas querem mais sentido no que fazem no trabalho, nas universidades e na vida e por isso buscam um modo de vida mais amigável. “Levei 40 anos para enjoar do meu trabalho, hoje eles enjoam com duas semanas”.
“Será que as empresas querem escutar o que dizem as ruas?”, pergunta o jornalista Marcelo Tas. Ele demostrou que a atual geração tem milhares de fontes de informação e aprendeu a trabalhar de forma multitarefa. Querer que eles se concentrem em apenas uma coisa é perda de tempo. “Qualquer empresa que se sinta defasada está bem posicionada”, diz, referindo-se à busca constante por inovação. Em sua crença, o mundo já mudou e que o real problema são leis ultrapassadas que não conseguem dar vazão às necessidades que emergiram dessa nova e interconectada sociedade. “O controle acabou. A palavra deveria ser retirada do dicionário”, alerta Tas.
Ao final o que se percebe é que, da mesma forma que as manifestações de rua têm bandeiras que vão aos extremos do espectro político, a capacidade de análise dos atores sociais, políticos e econômicos também tem uma grande elasticidade. É o típico caso em que se acredita terem sido encontradas as respostas para perguntas que mudam o tempo todo.
* Publicado originalmente no site da Conferência Ethos 2013.